Morte trágica de Ignacio Padilla deixa literatura da AL de luto
De modo repentino, triste e trágico, a literatura latino-americana perdeu hoje o escritor mexicano Ignacio Padilla, num acidente de carro, com apenas 48 anos. Padilla foi um dos fundadores da geração Crack, que nos anos 90 propôs que as letras da região buscassem um caminho alternativo ao trilhado pelos autores do chamado “boom” dos anos 1970, e que começavam a banalizar a ideia de “realismo mágico”. Aqui, entrevista que fiz com ele e os autores que participaram de sua mesa, uma das melhores da Festa Literária Internacional de Paraty de 2007.
Os objetivos do grupo foram expressos no “Manifesto Crack”, de 1996. Basicamente, o que propunham era abrir o leque dos temas tratados pelos escritores mexicanos, deixar um pouco de lado os temas nacionais, as problemáticas sociais, e internacionalizar-se. Logo, os livros de Padilla e seus companheiros Jorge Volpi, Eloy Urroz e outros estavam localizando seus temas em outros continentes e cenários. Na narrativa, adotaram diferentes tipos de experimentalismos, e romperam com a linguagem mais poética e artesanal de uma referência como García Márquez, a quem respeitavam, mas desejavam afastar-se do ponto de vista criativo. Seus referentes estavam mais nos argentinos, mas também internacionais, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, além de tradições literárias de outros continentes.
Curiosamente, topei com essa entrevista de Padilla (vídeo abaixo) há alguns meses, quando trabalhava num especial sobre os 400 anos das mortes de Cervantes e Shakespeare. O último trabalho de Padilla, justamente, havia sido o ensaio “Cervantes y Compañía”, recém-lançado, uma série de textos sobre os dois autores clássicos. Nela, Padilla diz que Shakespeare não deve ter sido reconhecido por Deus quando morreu, porque este sabia tudo de Hamlet, de Macbeth, mas nada sobre o “homem” Shakespeare, enquanto Cervantes, por sua vez, teria sido demasiado humano. E fez a comparação futebolística. Shakespeare seria de um outro mundo, como Messi, enquanto Cervantes estava mais para Maradona ou Garrincha, porque eram geniais, mas se podiam reconhecer em suas falhas e sensibilidades.
Padilla ainda era considerado um “jovem autor” internacionalmente. Mas, aos 48, já havia constituído uma sólida carreira. Tendo estudado literatura inglesa na Universidade de Edimburgo e filologia hispânica em Salamanca, era também membro da Academia Mexicana da Língua e seus mais de 30 livros estão traduzidos para mais de 15 idiomas.
Tristemente, no Brasil nenhum autor da geração Crack conheceu grande sucesso, mas foram lançados aqui dois de seus títulos: “Amphytrion” e “Espiral de Artilharia” (Companhia das Letras), que se passam durante a Segunda Guerra e o período da desconstrução do projeto soviético. Sorte nossa termos tido Padilla ao menos numa tarde de domingo, em Paraty, debatendo com o argentino Rodrigo Fresán.