Chego à Colômbia pensando que o assunto do momento é o processo de paz, que se encontra em fase final de negociação. Mas não. Tampouco as Olimpíadas estão mobilizando tanta atenção, apesar das duas medalhas de ouro (até agora) heróicas conquistadas pelo país. O que está em debate mesmo é a imensa repercussão causada por conta de uma cartilha que o governo está por lançar para prevenir que crianças e adolescentes cultivem a intolerância.

Tudo começou de forma trágica, com o suicídio do garoto Sergio Urrego, 17, em 2014. Segundo consta, o rapaz vivia em conflito com a dificuldade de assumir a homossexualidade diante de colegas e família e acabou se matando. Desde então, iniciou-se um debate sobre como esclarecer melhor as crianças e evitar o “bullying” nas escolas.

A Corte Constitucional determinou que o governo revisasse seus manuais de convivência escolares, para tentar atacar o problema. O resultado foi o documento “Ambientes Escolares Livres de Discriminação”. Porém, mesmo antes de ser lançado, o mesmo começou a sofrer ataques de vários setores da sociedade e de membros da Igreja. Tudo se agravou, porém, porque nas redes sociais disseminaram-se imagens que não pertenciam ao novo manual, mas sim a uma HQ belga que mostrava cenas de sexo explícito entre garotos e garotas homossexuais.

A confusão estava armada. Na semana passada, mais de 40 mil pessoas, convocadas pela internet, foram às ruas contra o Ministério da Educação. Deputados conservadores e líderes religiosos disseram que o órgão estava impondo uma “ideologia de gênero” às crianças colombianas.

Não demorou para que as críticas endereçadas à ministra Gina Parody tomassem um tom pessoal. Parody é homossexual e tem como parceira a ex-ministra de Turismo _o casamento gay ainda não é lei no país. A deputada conservadora Ángela Hernández disse que Parody estava praticando uma “colonização homossexual” da Colômbia.

Nas ruas, os cartazes pediam a renúncia da ministra, que é muito próxima ao presidente Juan Manuel Santos. Alguns deles diziam: “Chega de Parody, Cristo vive”, ou “Senhor ou Senhora Parody, vá embora”.

As organizações de defesa dos direitos LGBT reagiram, assim como artistas e intelectuais, em apoio à ministra. O governo tentou mostrar a diferença entre o comic belga e a cartilha real, que obedece padrões internacionais e cuja produção foi fruto de um convênio com as Nações Unidas.

A polêmica arrefeceu apenas um pouco quando Santos saiu a apoiar sua ministra e ao mesmo tempo garantir que o Estado não promoveria “ideologias de gênero”. Porém, em tempos de polarização em torno do plebiscito pela aprovação do acordo de paz, a contenda ganhou cores de disputa política.

De um lado, Santos e seu governo, que quer mostrar-se conciliador, tenta negociar com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e terminar uma guerra de mais de 50 anos por meio do diálogo e que, entre outras coisas, escolheu uma ministra mulher e homossexual para uma pasta-chave como a Educação, justamente para lançar ao país uma mensagem de tolerância.

De outro lado está o ex-presidente Álvaro Uribe, crítico do acordo de paz, que faz a campanha pelo “não” e pelo retorno à solução bélica contra a guerrilha. Uribe crê que que a paz em negociação é a entrega do país aos “terroristas”. Também é conhecido por, quando está nervoso, chamar os interlocutores de “maricas”.

Trata-se da mesma divisão que havia nas eleições de 2014, quando Santos perdeu o primeiro turno para o candidato apontado por Uribe e acabou ganhando por uma margem pequena apenas no segundo turno. A cisão do país segue igual, a julgar pelo que veio à tona com o episódio das cartilhas de convivência. Como conciliar de forma harmônica essas duas Colômbias é o desafio que se impõe a Santos e à sociedade neste momento.