Nova esquerda busca atrair dissidentes do kirchnerismo

Sylvia Colombo
Nicolás del Caño, Myriam Bregman e Christian Castillo, da Frente de Esquerda (Foto Divulgação)
Nicolás del Caño, Myriam Bregman e Christian Castillo, da Frente de Esquerda (Foto Divulgação)

 

Conversei nestes dias, por conta de sua passagem por São Paulo, com Christian Castillo, sociólogo e deputado pela Província de Buenos Aires. Junto ao ex-candidato à presidente, Nicolás del Caño, a advogada e a deputada nacional Myriam Bregman, Castillo é uma das novas caras da esquerda argentina. Completamente desvinculada do peronismo, a esquerda tradicional argentina nunca obteve grande expressão nacional, justamente porque o peronismo sempre acabou atraindo para o seu lado a maioria dos trabalhadores sindicalizados. Porém, mesmo constituindo uma força menor, manteve presença no debate político, teve papel durante a resistência à ditadura (1976-1983) e se mantém, dentro do Congresso, como uma força independente. A última eleição presidencial, no ano passado, marcou um novo momento para a Frente de Esquerda, coalizão que reúne os principais partidos esquerdistas. Saiu de cena uma velha guarda, comandada, entre outros, por Jorge Altamira, e entrou em cena uma nova geração, liderada, especialmente, pela tríade supracitada.

Para Castillo, as recentes denúncias de corrupção ocorridas durante as gestões Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015) vêm colaborando para causar muita desilusão entre a militância jovem de apoio ao kirchnerismo, e muitos têm rumado para as filas da Frente de Esquerda. “É uma chance que temos, é um espaço que se abre, e muitos já nos têm procurado”, conta Castillo. O peronismo, como mostra a história, é uma corrente política que pode pender entre extremos, do esquerdismo populista (caso do kirchnerismo) à direita neoliberal (caso de Menem). No atual momento, em que o governo é ocupado por Mauricio Macri, a linha do peronismo que está fortalecida é a segunda, que de forma geral o apoia, e isso tem favorecido para que peronistas de esquerda ou tentem se reorganizar como opção política alternativa, ainda fiel às diretrizes kirchneristas, ou busquem alternativas, como rumar para as fileiras da Frente de Esquerda.

“Tudo ainda está um pouco indefinido, mas já há muita movimentação e reacomodação dos políticos e da militância, a ideia é se reorganizar para as eleições do ano que vem”, conta Castillo. De fato, a votação de meio de mandato, na Argentina, é muito importante, pois define uma nova configuração no Congresso e serve de termômetro da avaliação do governo da situação. Se a gestão de Macri não mostrar um bom desempenho até o dia dessa votação _prevista para outubro de 2017_ poderá perder ainda mais apoio no parlamento, no qual já não tem maioria, e ter os últimos dois anos de seu governo mais difíceis do que a primeira parte. Se ocorrer o contrário, e seu partido tiver bom desempenho nessa votação, Macri poderá alimentar o sonho da reeleição, que já vem sendo considerada como possibilidade entre seus apoiadores.

Por ora, o presidente goza ainda da confiança de muitos argentinos, mantendo um nível de aprovação por volta dos 50%, o que faz dele praticamente um recordista na região, em que a popularidade de vários governantes anda na marca dos 20 e poucos por cento, senão menos _casos do Brasil e do Chile. Para os mercados, há uma sensação de que a Argentina está se reabrindo para o mundo, abandonando políticas protecionistas, e que isso pode trazer de novo os investimentos e impulsar o crescimento da economia. O governo, otimista, projeta 3,5% de aumento do PIB para o ano que vem, depois de dois anos de estagnação.

Porém, a promessa de que a inflação cairia no segundo semestre não foi imediatamente correspondida, e hoje está em quase 40%, segundo consultorias independentes, e o cenário internacional, de desaceleração, não contribui para uma entrada contundente de investidores, como o governo esperava. O primeiro desapontamento com a gestão surgiu com o chamado “tarifaço”, que vem levando a população a tirar de novo as panelas dos armários das cozinhas e sair para a rua para os famosos “cacerolazos”.

“O problema é que há uma insatisfação crescente, principalmente nas classes B e C, por conta da política de ajustes, muito dura, e por conta da inflação. A população mais pobre tem a sensação de que o governo não vem cumprindo as promessas.” De fato, os ajustes, que já eram esperados _pois o kirchnerismo abusou demais da distribuição de subsídios_ vieram muito de repente, em alguns casos sugerindo um aumento de até 700% das tarifas de gás e eletricidade.

“O clima não é favorável ao governo agora entre essa faixa da população, as pessoas estão muito intranquilas com a economia, especialmente os assalariados”, diz Castillo. No último mês, houve protestos na capital e nas províncias. A de Buenos Aires, que corresponde ao maior reduto eleitoral do país (38% dos votantes) e é governada por Maria Eugenia Vidal, aliada de Macri, vem se manifestando contra os ajustes nacionais. Porém, a governadora ainda goza de popularidade e prestígio, pois a administração que a precedeu vem sendo acusada de escândalos de corrupção. Enquanto a situação se mantiver assim, e Macri continuar com a Província de Buenos Aires alinhada em seu apoio, sua governabilidade está garantida.

Os próximos meses serão de muita movimentação nos bastidores dos partidos. Espera-se que alguns políticos-chave, como Elisa Carrió, que apoia Macri mas com forte tom crítico, Sergio Massa, peronista anti-kirchnerista, Margarita Stolbizer, progressista e anti-peronista, se posicionem de forma mais clara pró ou contra o governo, ajudando a realinhar os partidos para a votação legislativa. A Frente de Esquerda aposta, entre outras coisas, em atrair os kirchneristas decepcionados com os escândalos de corrupção do governo Cristina que agora surgem aos borbotões e ocupam o noticiário. Ainda é um cenário em que tudo pode acontecer, mas o clima pré-eleitoral já começará a ser sentido a partir do fim do ano.