Festa de editoras pequenas, mas com sonhos gigantes
Se há uma notícia boa relacionada à seríssima crise econômica pela qual a Argentina passou em 2001 e o posterior fechamento do mercado por conta das medidas protecionistas dos governos que se seguiram é que o mercado editorial argentino teve que encontrar uma solução criativa para seguir existindo.
A resposta começou com a pulverização de médias e pequenas iniciativas, redução de tiragens e expectativas, mas que também permitiu mais espaço para o experimental e a inovação. O resultado foi a proliferação de uma quantidade imensa de editoras pequenas e independentes, que hoje compõem quase 90% do mercado e atraem, inclusive, autores de renome que, por opções políticas ou editoriais, preferem evitar os grandes selos, que já vinham mudando sua linha de publicação para algo mais comercial, após a era das grandes fusões, principalmente no mercado de língua hispânica (fim dos anos 90).
Se o começo foi difícil, o resultado até aqui é de um desenlace feliz. Foi isso que se viu na 5a Feria de Editores, que ocorreu em Buenos Aires no último fim de semana, reunindo na charmosa Central Newbery, no bairro de Colegiales, 85 editoras independentes. Oitenta eram argentinas. Entre as principais: Caja Negra, Mansalva, Adriana Hidalgo, Eterna Cadencia, Tenemos las Máquinas, Interzona, Marea e Beatriz Viterbo. Acompanhando-as vinha a Sexto Piso, uma das que inauguraram o gênero na América Latina, consolidando-se no México, a uruguaia Criatura e as chilenas Nadar, Cuneta, Hueders, Alquimia e Libros de Mentira.
Diferentemente do clima de uma grande feira, que tem seus estandes afastados uns dos outros, food trucks e é necessário mapas para localizar eventos e lançamentos, na Central Newbery todos estavam coladinhos uma na outra. Não dava para saber onde começava uma editora e onde terminava a anterior. No sábado à tarde, o lugar estava tão lotado que o único modo de ver os títulos era seguir uma imensa fila indiana que, solidariamente, respeitava os tempos de cada um _tinha quem queria ver os volumes rapidamente e quem queria folhear com calma. Desestabilizar essa ordem provocava cotoveladas e empurrões indesejados.
A estratégia dessas pequenas editoras é variada. Algumas investem apenas em autores desconhecidos mesmo. Mas sua margem de aposta, portanto, é pequena, as tiragens são baixíssimas e se busca uma impressão do tipo mais barato. Outras, mais experientes, mesclam novidades com traduções de clássicos ou novas roupagens de títulos que já estão fora de leis de proteção de direito autoral. A Adriana Hidalgo, por exemplo, publica autores renomados, mas em vez de escolher seus títulos mais óbvios, busca coletâneas, textos menos traduzidos mundo afora, e por conta disso acabam trazendo ao mercado verdadeiras raridades.
Outras atraem pelo carisma pessoal de seus editores, que têm uma agenda recheada de autores já com nome no mercado, mas que veem a ideia de publicar por um selo pequeno algo atrativo, até um gesto político. Nomes como Martín Kohan, Hebe Uhart e Sergio Bizzio estão entre eles.
O máximo de tiragem que essas editoras pequenas alcança é de 2 mil exemplares, mas como seu público é fiel, a operação acaba se pagando sozinha. Algumas cresceram a ponto de poder oferecer adiantamentos, mas são ainda muito poucas.
A feira em si tinha algo de festa universitária, apesar de o público ter faixa etária variada. Vendiam-se sanduíches e pedaços de bolo, café e refrigerantes, num esquema parecido ao de uma quermesse. Quem não se importava com o frio do inverno portenho, dava um tempo na esquina, do lado de fora, que, afinal, era o único lugar em que era possível conversar de verdade.
Neste quinto ano do evento, a novidade foi uma programação de palestras e debates mais vitaminada, com o público se acomodando em pufes ou acotovelando-se ao redor da mesa principal. Incorporou-se, também, uma sala dedicada a livros de arte e fotos, e pelas paredes havia uma bela exposição de retratos de autores contemporâneos e históricos, figuras como Bioy Casares, David Viñas, Martín Caparrós, Juan José Saer e Rodolfo Fogwill.
O mercado editorial argentino sempre foi impressionante em termos de números. Com uma população cinco vezes menor que a brasileira, lança metade de títulos que seu grande vizinho. Ou seja, proporcionalmente, muito mais. Mesmo comparando com o México, a Argentina ganha nessa conta proporcional, pois lança mais ou menos o mesmo número de títulos que o país do norte, tendo quase um terço de sua população.
Porém, se esse é o lado bom da história, o lado ruim é que as crises econômicas e certos momentos de instabilidade política também afetam esse pujante mercado. Agora, o que tem assustado as editoras independentes é a alta inflação no país _mais de 40%, o que aumenta os custos de produção e distribuição e não permite que os preços de capa sejam baratos. Outra dificuldade é que o fim das barreiras protecionistas que permaneceram durante o kirchnerismo (2003-2015), se são benéficas em vários sentidos para a economia argentina, trazem de volta também uma competição que antes havia desaparecido e que agora ameaça canibaliza-las, a das grandes editoras internacionais, que agora encontram menos travas para entrar no país. A isso, as pequenas editoras só podem responder de uma maneira, investindo ainda mais na qualidade do que lançam. Ou seja, ganhar em valor artístico o que não têm de poderio econômico. Afinal, é isso que seu público busca.
Para essa nova etapa, é com esse pequeno exército de fãs entusiastas de seus lançamentos que eles contam.