“Trumplândia afundaria sem os imigrantes”, diz Valeria Luiselli

Sylvia Colombo
A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)
A escritora mexicana Valeria Luiselli, que vive em Nova York (Foto Divulgação)

Para a matéria que publiquei nesta segunda (1) em Mundo, sobre a reação dos mexicanos à candidatura de Donald Trump pelo partido republicano, conversei com a escritora mexicana Valeria Luiselli, 32, convidada da última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que vive em Nova York, no bairro do Harlem, e dali acompanhou a trajetória do milionário até a entrada oficial na corrida pela Casa Branca. Como tantos mexicanos, Luiselli se preocupa com os comentários e propostas racistas com relação aos mexicanos. Como não coube tudo na reportagem, reproduzo aqui alguns dos apontamentos que me enviou sobre os principais tópicos que propus.

Sobre Trump e o México

Me preocupa muito que chegue à Presidência. Me tira o sono. Me preocupa principalmente porque destapou, com seu discurso, o ódio, e o legitimou. Este país [os EUA], como a maioria dos países, está cheio de racistas, violentos, ignorantes e xenófobos. Trump deu voz a eles. É macabra a imagem de um milionário que, diante de um estádio repleto de gente, propõe construir um muro na fronteira com o México. E logo pergunta, gritando, quem deve pagar por ele. Mas o mais triste e terrível é a imagem de milhares de pessoas que respondem: “O México!”.

Por que a candidatura Trump foi possível?

São muitos fatores. As taxas de desemprego, as dívidas de quase todos os estudantes do país, a falta de expectativas, a ausência de um Estado que ofereça um sistema de bem-estar social sólido.

Tenho viajado muito pelos EUA, tomando notas e fazendo fotos para um livro que estou escrevendo. Atravessei, de carro, mais de 20 Estados, visitei cidades semi-destruídas como Detroit, e dormi em motéis de povoados remotos em Oklahoma, Nuevo México e outros. O que se vê no interior do país, longe das cidades pujantes das costas Leste e Oeste, é um abandono absoluto: fábricas abandonadas, postos de gasolina cobertos de pedra, motéis com as janelas quebradas, colchões de antigos quartos apodrecendo ao sol nos estacionamentos vazios. Para não ir muito longe de onde vivo, em muitas cidades pequenas do Estado de Nova York, onde Trump ganhou nas primárias, há filas de “junkies” pedindo dinheiro: jovens e velhos, em sua maioria brancos, viciados em “meth” ou em heroína.

Mas só isso não justifica o imenso apoio a Trump. Por que não se apoiou com o mesmo fervor a Bernie Sanders, que também tinha um discurso populista e prometia beneficiar os menos favorecidos _ainda que de modo muito mais sofisticado, sensato, e sem dar espaço ao fator ódio e ao racismo que sustenta o discurso de Trump? Creio que a resposta tem a ver com o discurso racial. A medula do discurso de Trump é o ódio racial. Trump é o candidato de uma população branca que segue acreditando na supremacia dos brancos e que intui que logo vão deixar de ser maioria neste país. Hoje em dia, 62% do país é branco, mas, em 2065, os brancos serão 45%.

Hoje, há 18% de hispanos, mas em 2065 nós seremos 25%. Todas as estimativas indicam que os EUA tende a se transformar num país com mais diversidade racial. Talvez os apoiadores de Trump vejam em seu candidato a possibilidade das últimas braçadas de um afogado, antes que o século 21 os rebaixe e os EUA se transforme num país… moreno.

Entre outros responsáveis pelo êxito de Trump estão os meios de comunicação massiva. Os meios são como o marionetista invisível detrás de todo esse pesadelo que está se transformando em realidade. Os meios, talvez, tenham visto no personagem de Trump a possibilidade de aumentar audiências. Trump teve mais tempo no ar do que qualquer outro candidato e as consequências disso se reproduziram como um vírus. Ele é uma marca, um slogan, um êxito publicitário.

Por fim, tudo começou como um espetáculo que assistíamos, entre horrorizados, distantes e _é preciso confessa-lo_ entretidos, até que um dia começamos a viver dentro do espetáculo.

Aconteceu conosco como a garotinha de “Poltergeist”, preciso confessar.

Como se sente a candidatura Trump em Nova York?

Na cidade de Nova York, entre os republicanos, ganhou Kasich. Esta é uma cidade de imigrantes, cujos valores são opostos em todos os sentidos ao que Trump representa. Meu bairro, Hamilton Heights, no Harlem, é um bairro muito africano, afro-americano, dominicano, mexicano e árabe, e foi bastante pró-Bernie. O “deli” da esquina da minha casa, pertencente a imigrantes de Acapulco, se chama “Yo Aquí Me Quedo” (eu fico aqui), e no dia das primárias distribuiu broches de Bernie.

Hoje vejo todos preocupados. Minha filha de seis anos pergunta frequentemente: “Se Trump ganhar, vão nos expulsar?” Sua amiga, Ella, uma menina afro-argentina, respondeu a ela, a sério, um outro dia: “Você vai e vamos todos os latinos, senão nos vão matar”. Ninguém, muito menos as crianças, tinha que estar preocupado com essas coisas.

Os que estão em perigo real, como sempre, são os mais desfavorecidos. Faço trabalho voluntário na corte de imigração, como intérprete e tradutora de crianças imigrantes, e aí escutei de perto as preocupações imediatas dessa população. São os mais vulneráveis, todos estão num limbo migratório, não têm dinheiro para pagar advogados, e sua vida está nas mãos de organizações humanitárias que tentam ajuda-los, mas não dão conta. Todas essas crianças e adolescentes recém-chegados e que estão esperando receber asilo político, eles sabem que, se Trump ganha, não vão ter oportunidades aqui.

Sobre as propostas migratórias de Trump.

Nada do que ele sugere é realista. Deportar uma pessoa custa muito mais caro ao governo do que não deporta-la. Para deportar os aproximadamente 11.2 milhões de imigrantes ilegais, os EUA demorariam uns 20 anos e isso custaria entre US$ 400 e 600 bilhões. Além disso, as comunidades imigrantes pagam impostos, são parte da massa de consumidores e formam parte essencial não somente da cadeia produtiva do país como de seu tecido social. Trumplândia afundaria sem os imigrantes ilegais. Basta fazer a conta matemática.