A sangrenta disputa pela educação no México

Sylvia Colombo
Soldados chegam para desmontar um bloqueio de grevistas, em Oaxaca (Foto Reuters)
Soldados chegam para desmontar um bloqueio de grevistas, em Oaxaca (Foto Reuters)

É difícil imaginar um país em que um tema como a educação inflame tanto os ânimos das pessoas. No México é assim, e por um punhado de motivos. O principal deles talvez remonte à história da formação do país moderno. Quando a Revolução Mexicana saiu vitoriosa, em 1910, um de seus pilares era justamente a educação. Naquele ano, a população de mexicanos analfabetos era de 74%. Em 2010, cem anos depois, esse número caiu para apenas 6% _de um total de 122 milhões de pessoas. Os revolucionários de então viam na educação um instrumento de integração num país tão diverso, daí a instalação de escolas rurais de formação de professores, de currículos que harmonizassem a tradição indígena com a ocidental e, principalmente, que incluísse um sistema de alfabetização em massa em proporções jamais vistas na América Latina. A educação foi também um dos pilares da Constituição Mexicana de 1917, tida como um dos documentos exemplares do século 20, inspirador também de outras constituições modernas.

É por conta do peso que a educação tem no México que massacres envolvendo professores ou estudantes ganham maior repercussão num país tão marcado por embates sangrentos relacionados a narcotráfico, abusos do Estado ou ao crime organizado. Foi assim com a tragédia dos 43 estudantes da escola rural para professores de Ayotzinapa, em 2014, e é assim agora, com a violenta repressão à greve de professores em Nochixtlán, que terminou com um saldo de 9 mortos. Ambas tiveram uma projeção nacional e internacional que as demais não alcançam.

É de se lamentar profundamente o que ocorreu em Nochixtlán. Afinal, o massacre mancha de sangue uma proposta de reforma educativa que se fazia necessária, ainda que ajustes tivessem de ser melhor discutidos. Voltemos um pouco no tempo para entender o que aconteceu.

Desde que se elegeu, em 2012, Enrique Peña Nieto, do PRI _partido herdeiro da Revolução de 1910_ vinha propondo uma reforma educacional que contemplasse uma maior eficiência nos resultados do México. Com um sistema vigente desde 1943, o país era um dos piores avaliados entre os países-membros da OCDE (Organização para a Coordenação e o Desenvolvimento Econômico), isso apesar de devotar 5% de seu PIB para a área. Uma melhor formação, defendia EPN, colocaria o trabalhador mexicano em melhor posição de disputa por vagas dentro de uma economia impulsada pelo NAFTA. O desafio, porém, era obviamente gigantesco, uma vez que as desigualdades entre as regiões do México são abissais. Enquanto Estados do centro e do norte têm bons índices econômicos e de crescimento, os do sul mal têm acesso a saneamento básico, alimentos e saúde.

Pois a reforma proposta pelos tecnocratas do novo governo incluía um sistema de avaliação dos professores unificado para todo o país. E foi então que os problemas começaram. Ainda com o apoio da principal central sindical de trabalhadores da educação, o SNTE, vertentes dissidentes da organização começaram a confrontar a proposta do governo em diversos pontos do país. Nos Estados ao sul, Guerrero e Oaxaca, houve revoltas exaltadas, cortes de estradas, embates violentos com a polícia e, obviamente, interrupção das aulas. Em Michoacán e Chiapas também estouraram intensos protestos. O que esses Estados alegam é que seus professores não podem ser avaliados com os mesmos critérios que os aplicados a Estados mais ricos e em que os maestros têm, naturalmente, uma melhor formação. O medo de uma demissão coletiva de professores mal-avaliados vem inflamando as manifestações.

Enrique Peña Nieto em cerimônia em homenagem aos professores (Foto Divulgação)
Enrique Peña Nieto em cerimônia em homenagem aos professores (Foto Divulgação)

O capítulo mais dramático dessa novela foi a noite de 19 de junho, no povoado de Nochixtlán, quando a polícia tentou, por meio da força, dissolver um bloqueio de estrada promovido pelos grevistas. As versões diferem. Os grevistas dizem que quem abriu o fogo primeiro foi a polícia, e que eles então responderam com coquetéis molotov. Já a polícia diz exatamente o contrário e, assim como tantas tragédias mexicanas, a de Nochixtlán ainda segue, e provavelmente seguirá, em aberto. O único resultado que não muda e que se trata de mais uma tragédia em que nove pessoas perderam a vida.

Enquanto as autoridades ainda não chegam a um consenso sobre o que ocorreu, a sociedade local segue exaltada, há protestos e policiamento pelas ruas de várias cidades de Oaxaca. Do ponto de vista do governo federal, porém, a tragédia teve pelo menos um impacto positivo. O secretário da Educação, Aurelio Nuño, declarou nesta semana que haverá mudanças no modo de avaliação dos professores, e que este respeitará, de algum modo, a diferença na formação dos profissionais em diferentes regiões. O plano não foi detalhado, mas até o início do próximo ano letivo de 2017-2018, deve ser apresentado.

É triste que, para se construir um espaço de diálogo para uma reforma dessa magnitude, uma tragédia como essa tenha tido de acontecer. Não é de hoje que o México abriga dois países, um com alta taxa de crescimento econômico, atraindo investimentos estrangeiros, cosmopolita e desenvolvido, e outro onde ainda persistem a guerra civil, a predominância do crime organizado e a ausência do Estado.

No ano que vem, quando de fato se iniciam as definições para a próxima corrida eleitoral, em 2018, esses dois Méxicos terão suas diferenças ainda em maior evidência. Seria importante que EPN tomasse medidas para harmonizar os ânimos de um país tão desigual.