“El Faro” recebe prêmio da Fundação criada por Gabo
O site salvadorenho “El Faro”, primeira publicação inteiramente digital da América Latina, foi anunciado nesta quinta (14) como vencedor do prêmio de Reconhecimento à Excelência, da Fundación Nuevo Periodismo Latino-Americano, criada pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014).
A entrega ocorrerá junto aos demais prêmios “Gabo”, que inclui ainda diversas categorias, na última semana de setembro, em Medellín.
Diz o texto do anúncio: “o prêmio Gabo reconhece, desta maneira, e pela primeira vez, uma equipe jornalística que, encravada em um dos países mais violentos da Ibero America e com um entorno político e econômico hostil para o desenvolvimento do jornalismo independente, foi pioneiro no jornalismo digital e desenvolveu um formato que abriu brechas inovadoras para o exercício do bom jornalismo e da cobertura da violência, para além dos limites da América Central.”
“El Faro” surgiu em 1998, fundado pelo jornalista Carlos Dada, salvadorenho de origem grega e palestina, e o empresário Jorge Simán, também salvadorenho de origem palestina. Dada foi diretor editorial desde a fundação do “El Faro” até setembro de 2014. Desde então, está no cargo o jornalista espanhol José Luis Sanz.
Sua receita, como a de toda publicação digital independente, é irregular e alcançada com muito esforço. Recebe doações de fundações, como a Open Society, e de outros doadores, excluindo políticos. Até aqui vem conseguindo manter uma linha editorial independente, dando ênfase aos principais problemas que afetam El Salvador: a violência, a corrupção e os problemas econômicos que fazem com que a América Central tenha um alto índice de imigrantes que buscam as rotas para os EUA, muitas vezes de forma ilegal.
Tive o prazer de conhecer e entrevistar um de seus jornalistas mais corajosos, Óscar Martínez, 33, autor de “Los Imigrantes que no Importan” e “A History of Violence – Living and Dying in Central America”. Martínez é daqueles repórteres que não passam muito tempo na Redação e estão sempre no campo buscando histórias. Entre outras coisas, fez a viagem com imigrantes que tentam cruzar as fronteiras até os EUA e relatou as dificuldades, a violência, os estupros e as mortes que ocorrem no caminho. Também se transformou num especialista no conflito entre as gangues salvadorenhas.
O fenômeno da guerra das gangues ainda é bastante mal compreendido fora da América Central, e Martínez vem dando uma boa contribuição para o entendimento do problema, que é mais regional do que salvadorenho. Hoje existem dois bandos principais, Mara Salvatrucha e Barrio-18, formados nos EUA, mais especificamente em Los Angeles. Na época das deportações ocorridas durante a gestão Bill Clinton (1993-2001), os membros dessas facções enraizaram-se numa El Salvador em sérias dificuldades econômicas, recém-saída de uma guerra civil, e sem condições de armar um plano de reintegração dessas pessoas à sociedade. As gangues incrementaram, então, o que já faziam em território norte-americano: traficar drogas, extorquir a população, roubar e matar. Começou, então, uma nova guerra civil, que se expandiu pelos países vizinhos. As gangues centro-americanas hoje contam com mais de 70 mil membros e deixam uma trilha de sangue imensa por onde passam. Por conta delas, o chamado Northern Triangle (Honduras, El Salvador e Guatemala) é o lugar do mundo onde mais morre gente de forma violenta, tirando as zonas realmente classificadas como “em guerra”.
Martínez contou bem essa história em reportagens publicadas no “El Faro” e que viraram um livro que resenhei aqui no blog.
Entre os grandes furos do “El Faro” estão a entrevista com o capitão Álvaro Saravia, um dos assassinos do monsenhor Óscar Romero. Romero, que era muito querido pelos fiéis por denunciar abusos de direitos humanos cometidos pelo Estado, foi morto pela repressão militar durante a celebração de uma missa, em 24 de março de 1980.
A revelação foi publicada em 2010, 30 anos depois do crime. Mais recentemente, o site também acompanha as acusações de corrupção aos governos do período democrático.
O prêmio da FNPI não é o único na lista do “El Faro”. Em 2011, Carlos Dada ganhou o María Moors-Cabot, da Universidade de Columbia, nos EUA. Entre seus profissionais, há também vencedores do Ortega y Gasset e outros.
Lido por 300 mil pessoas ao mês, o “El Faro” não tem planos de partir para o papel impresso, e aposta num maior engajamento da população, na leitura e no interesse pelas coisas do país, para poder aumentar a receita e garantir o pagamento de salários e da operação como um todo. Quando começaram, apenas 3% da população de 7 milhões de habitantes do país tinham acesso à internet, agora são 16%. Como todos os meios independentes, sofre com as dificuldades no setor, além de receber pressão política e ameaças. Que o prêmio traga atenção e recursos ao meio, tão necessário numa região carente de transparência e informação.