“Plebiscito é risco que vale a pena correr”, diz analista sobre paz na Colômbia

Sylvia Colombo
A analista María Victoria Llorente, do Ideas para la Paz (Foto Divulgação)
A analista María Victoria Llorente, da Fundación Ideas por la Paz (Foto Divulgação)

No último anúncio de avanços no acordo de paz entre governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), realizado há algumas semanas, em Havana, foram estabelecidos os marcos para guiar a logística do fim do conflito, entre eles a definição de 23 zonas de segurança, onde os ex-guerrilheiros ficarão acampados até serem julgados e reintegrados à sociedade, e como será feita a entrega de armas, em três fases, com observadores internacionais.

Segundo a maioria do analistas, o balanço desse passo no acordo é positivo, mas muitas dúvidas sobre como será a execução do plano ficaram no ar.

Espera-se que elas sejam dissipadas quando o acordo finalmente for assinado, o que se prevê que aconteça no fim de julho ou no começo de agosto, quando começará a campanha para o plebiscito em que o povo colombiano se pronunciará, aprovando ou descartando o tratado. Essa votação deve ocorrer em outubro.

Leia, abaixo, entrevista com a cientista política María Victoria Llorente, da Fundação Ideas por la Paz, estudiosa dos temas de violência e segurança em seu país, e que vem acompanhando as negociações desde o princípio. Llorente é membro do conselho consultivo do Instituto Igarapé.

Folha – Qual o ponto mais importante dentro do que foi anunciado na última rodada de negociações? E qual o mais essencial para o colombiano comum?

Maria Victoria Llorente – Há vários itens do que foi anunciado, que indicam o caminho para a criação das 23 zonas de segurança, que ainda falta detalhar. Isso é certo, porém, é preciso reconhecer que é um plano muito bem desenhado. Do ponto de vista dos colombianos comuns, creio que o principal foi escutar dos próprios guerrilheiros que eles estão dispostos a deixar as armas. Essa era a grande dúvida dos colombianos, principalmente aqueles que vivem nas áreas em que o conflito ainda existe e causa mortes. Esses eram os mais aflitos para saber se a guerrilha estaria mesmo disposta a entregar seu armamento.

Em Havana, os representantes dos guerrilheiros disseram que sim. Se os colombianos acreditam neles é o que veremos no plebiscito.

Folha – Havia uma disputa muito ferrenha entre governo e guerrilha sobre como referendar o acordo, se por meio de um plebiscito, como queria Santos, ou por meio de uma Assembleia Constituinte. O fato de ter sido decidido que será por meio de um plebiscito é uma vitória do governo?

Llorente – Sim, sem dúvida. Mais pelo simbólico do que por outro motivo. As Farc queriam a Assembleia Constituinte porque queriam marcar o fim do conflito armado com uma espécie de refundação do Estado. Isso daria a eles uma sensação de vitória, depois de cinco décadas de luta. Mas Santos foi muito firme nisso, afirmando que a negociação de paz era apenas para encerrar essa guerra e que de forma nenhuma teria a ver com refundar o Estado sob pressão da guerrilha.

Folha – Um dos grandes temores dos guerrilheiros é como se manter em segurança enquanto são julgados e se define sua reinserção à sociedade. Desarmados, e sendo inimigos de vários grupos (latifundiários, ex-paramilitares, outros cartéis e bandos), as Farc terão como ter certeza de que não serão dizimados por seus inimigos? Que esforços o governo fará para reforçar o cordão em torno deles?

Llorente – Bem, um dos marcos desse acordo anunciado em Havana é que o Estado se comprometeu a garantir a segurança dos ex-guerrilheiros enquanto estes definem sua situação perante a Justiça. Há um comprometimento do Estado que está no papel. Por isso a escolha dessas 23 zonas, que estarão protegidas por anéis de segurança e com observadores internacionais. Nesse esforço, o Estado vai usar as Forças Armadas e as polícias locais. Se vai ser possível que mantenham a segurança de quem está dentro da zona, vamos ter de esperar para ver. Mas se trata de uma preocupação válida da parte dos guerrilheiros e foi o que fez com que hesitassem tanto em aceitar o desarmamento. Agora vem o desafio de implementar acreditando que esse é o caminho para o fim da violência, mas obviamente haverá obstáculos.

Folha – Ainda com relação a esse ponto, existe a experiência recente, de quando se desmobilizaram os grupos paramilitares e muitos de seus ex-membros passaram a integrar outros grupos criminosos. Já se tem notícia de ex-membros das Farc, que são contra o acordo, e que estão migrando para o ELN ou outros grupos. Como evitar que isso aconteça?

Llorente – Sim, essa é uma das coisas que não queremos que se repita. Naquela época, não esperávamos que isso acontecesse. A diferença agora é que sabemos que esse risco existe, de que ex-guerrilheiros desmobilizados podem entrar em outros grupos criminosos, por isso o Estado estará mais preparado e mais vigilante para enfrentar essa situação. A existência de outros bandos no interior do país tem a ver com a instabilidade institucional em várias regiões, e há perfis muito diferentes de regiões.

É por isso que o plano de paz tem de vir acompanhado de políticas para mudar essa situação e para que o Estado possa atuar em todo o país. Ainda quanto à possibilidade de ex-Farc entrarem em outros grupos, o fato de serem levados a essas 23 zonas de segurança garantirá, ao menos em parte, certo controle de seus passos. Há riscos, mas é de se esperar, e torcer, para que de fato funcione.

Folha – O fato de Santos ter escolhido o plebiscito como forma de referendar o acordo não é um risco, levando em conta que muitos colombianos são contra alguns pontos do acordo _apesar de mais de 60% serem a favor de um modo geral? Esse risco não é agravado pelo fato de que Santos tem 20% aprovação popular nesse momento, enquanto seu principal opositor, o ex-presidente Álvaro Uribe, ter mais de 50% e estar completamente contra as negociações, inclusive fazendo campanha para que o tratado naufrague?

Llorente – Obviamente há um risco. O período de campanha para o plebiscito será aguerrido e jogará muito com as emoções dos colombianos. E quando se joga com emoções, a imprevisibilidade é grande. Mas eu creio que há um risco ainda maior em implementar um acordo sem o selo da aprovação popular. Creio que Santos busca, com esse plebiscito, legitimar o acordo, podendo afirmar que foi uma escolha democrática da sociedade.

Se o tratado fosse apenas imposto pelo governo, teria uma legitimidade precária, o que poderia colocar sua execução em risco.