Uruguai faz primeira colheita de maconha legal, agora falta convencer farmacêuticos
Devagarzinho, a polêmica Lei da Maconha, aprovada pelo Congresso uruguaio em 2013, começa a ser implementada. No momento em que as empresas selecionadas pelo Estado para produzir marijuana pela via legal realizam a colheita da primeira leva, o debate agora é transferido para as farmácias, que, segundo a legislação, devem ser as responsáveis pela comercialização do produto.
A estimativa é que as vendas tenham início já no final de julho.
Mas muitos estabelecimentos estão com medo de assaltos e de retaliações por parte de tradicionais vendedores ilegais do produto. “Deviam vender nas delegacias”, disse uma farmacêutica do bairro de Cerro ao jornal argentino “Clarín”. O governo bem que tentou convencer os estabelecimentos a se engajarem no esforço, mas até agora apenas 50 farmácias das 1.200 que existem em Montevidéu se animaram a inscrever-se no programa. Já as farmácias de cidades das fronteiras com Brasil e Argentina e as de balneários frequentados por estrangeiros temem um excessivo assédio por algo que não poderão vender a usuários não-registrados.
A lei estabelece que a “maconha legal” seja vendida nas farmácias sob estrita regulação e fiscalização de agentes do Estado. O estoque que cada uma pode manter é limitado (2 kilos) e válido por apenas 15 dias. Ao final desse período, apenas, pode ser reposto. Aos inscritos no programa como usuários _devem ser uruguaios ou residentes com visto_ é permitido comprar até 40 gramas por mês (a um dólar a grama). Outra opção é formar clubes de cultivo e plantar em casa mesmo, nesse caso, podem inscrever-se de 15 a 45 sócios e cultivar até 99 plantas. Toda essa atividade é sujeita à fiscalização.
A lei foi aprovada pelo Congresso em 2013, impulsada por legisladores da Frente Ampla e apoiada pelo então presidente José “Pepe” Mujica. A ideia era enfraquecer os cartéis e fornecer uma alternativa à guerra ao narcotráfico que tanto sangue vem derramando em países como México ou Colômbia. A iniciativa uruguaia estimulou, ainda, Estados norte-americanos a seguirem adiante na aprovação de leis pro-legalização da maconha.
Mas nem todos veem a solução com bons olhos. Desde sua aprovação, pesquisas de opinião pública mostram que cerca de 60% dos uruguaios não aceitam a produção e venda do produto por parte do Estado. O atual presidente, sucessor de Mujica e do mesmo partido, também se posicionou contra a lei, no início. Tabaré Vázquez, que é médico oncologista, considera-a arriscada. Porém, desde que foi eleito, disse que a respeitaria e a implantaria, uma vez que já havia sido aprovada. Apontou, apenas, que proporia mudanças caso encontrasse falhas.
O lance da venda em farmácias pode vir a ser a primeira delas. A resistência dos farmacêuticos levou o governo a anunciar, na última semana, que deve começar a buscar postos alternativos para a venda do produto, para proteger os estabelecimentos. O governo também iniciou, como prevê a lei, uma campanha para divulgar os malefícios do uso excessivo do produto.
Nas próximas semanas, a revolucionária lei da era Mujica será posta à prova. Se de fato gerar uma alternativa para a violência gerada pela guerra ao narcotráfico na região, que já provocou centenas de milhares de mortes, tem mais é que ser aplaudida. Porém, se não houver consenso entre os uruguaios e gerar uma cisão na sociedade, terá de ser redesenhada. O presidente Tabaré Vázquez, que até aqui permaneceu numa posição quase neutra, deixando que os passos fossem seguidos e acompanhando apenas, terá de posicionar-se em sua defesa ou propor sua revogação.