Mesmo sem acordo, campanha política sobre a paz inflama Colômbia
Vai ser difícil que os colombianos votem pelo “sim” ou pelo “não” no referendo ou plebiscito para aprovar o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) sem pensar que estão votando por um ou por outro dos dois cidadãos acima. À esquerda, o atual presidente, Juan Manuel Santos, que há três anos iniciou negociações com a guerrilha para terminar com a guerra civil que já matou cerca de 250 mil pessoas em mais de 50 anos. Será aquele que tentará convencer os colombianos a dizerem “sim”. Já o da direita, Álvaro Uribe, é seu ex-chefe e ex-amigo. Quando foi presidente do país (2002-2010), teve Santos como ministro e o considerava seu sucessor natural, até que os dois cindiram numa discordância aberta tão radical que hoje polariza politicamente o país. Uribe quer que os colombianos digam “não” ao acordo de paz de Santos.
Embora essa campanha não esteja iniciada oficialmente _terá de esperar que o acordo seja assinado entre governo e Farc, algo que se espera para as próximas semanas_ os dois já estão apresentando suas armas para a campanha.
O presidente, impedido pela lei de fazer propaganda de uma das opções, optou por montar uma equipe de notáveis que inclui empresários, publicitários, intelectuais, que tratam de vender a ideia de que a paz com a guerrilha não é assunto de uma gestão específica, mas sim objetivo do país. Daí a pomba branca símbolo do grupo ter ganhado as cores da bandeira do país.
Já o ex-presidente é muito mais expressivo, em seus discursos, manifestações e comícios, e pelo Twitter. Na opinião de Uribe, o acordo ainda em negociação faz demasiadas concessões às Farc e, segundo seu bordão, “entrega a Colômbia ao castro-chavismo”.
Obviamente, a discussão não é assim tão simples. O lado do governo precisa vencer a resistência dos colombianos a alguns pontos do acordo, como a ideia de que crimes menores serão anistiados, de que haverá uma Justiça especial para ex-membros das Farc e de que a guerrilha poderá entrar para a vida política do país, participando de eleições. Os números da rejeição a esses pontos rondam os 80%. Por outro lado, o governo tem a seu lado números muito favoráveis quando o assunto é assinar de fato um acordo e acabar com a guerra.
Segundo o instituto Gallup, o “sim” ganha de 66% a 24%, e o Polimétrica, por 61% contra 29. Na maioria das medições recentes, o “sim” venceu por larga margem.
A questão é que Uribe também tem suas armas e elas não são poucas. Primeiro, sua popularidade, que ronda os 53%, contra os 20% de Santos. Segundo, algumas regiões do país em que esses números se invertem quase que completamente, áreas em que ele e seu partido são muito influentes.
Por enquanto, o Centro Democrático (partido de Uribe) tem organizado manifestações de rua em grandes cidades, e na semana passada iniciou um “firmatón”, uma verdadeira maratona de recolhimento de assinaturas com a qual pretende obter um número considerável para pressionar o governo a abandonar as negociações. Ou, pelo menos, de incluir no acordo os pontos que Uribe crê que são inegociáveis. Entre eles estão o de negar anistias, exigir a entrega total das armas, impedir a elegibilidade de ex-guerrilheiros e não ceder a um cessar-fogo bilateral.
Aos uribistas, porém, está colocado o desafio parecido aos vividos pela campanha do “no” no Chile em 1988 _pelo fim do regime pinochetista_ tão bem mostrado no filme de Pablo Larraín, “No”. A ideia de vender a palavra “não” como algo positivo é pouco atraente e difícil de armar num discurso publicitário.
O debate começa a esquentar às vésperas da assinatura do acordo, que sem a aprovação da população não poderá ser colocado em prática. O que coloca um pouco de lenha na fogueira é a proximidade das eleições presidenciais de 2018. Santos já contava estar com isso resolvido no meio deste atual mandato, e isso ainda não aconteceu. Alguns analistas acham que, se o ponto final da guerra não ocorrer neste ano, sobrará pouco tempo político para Santos, que construiu sua candidatura à reeleição em 2014 em torno desse tratado, se reerguer.
Por que o assunto interessa ao Brasil? Por muitas razões. Não só pelo fato de a Colômbia ser a terceira maior economia da América do Sul, mas porque é um grande parceiro comercial e vizinho do Brasil. Em tempos de crise econômica no Brasil e na Argentina, a Colômbia, com seu crescimento moderado e equilibrado oferece alguma estabilidade à região. E porque nenhuma crise na Venezuela será resolvida sem uma participação ativa e cooperativa da Colômbia, seu principal vizinho. Por essas e por muitas outras razões, o fim da guerra civil colombiana é dos temas mais importantes da agenda do continente neste ano. Seria uma pena perder-se entre picuinhas políticas dos dois senhores aí do alto.