Macri e o conto fajuto do segundo semestre

Sylvia Colombo
O presidente argentino Mauricio Macri (Foto Reuters)
O presidente argentino Mauricio Macri (Foto Reuters)

O presidente argentino Mauricio Macri completa seu primeiro semestre mostrando um país bonito por fora, mas em profunda convulsão por dentro.

É verdade que a eleição surpreendente do ex-presidente do Boca Juniors , em novembro do ano passado, renovou os ares na Argentina. Investidores estrangeiros voltaram a considerar que este local existe no mapa e foi amenizada a imagem de país caloteiro cultivada no pós-crise de 2001. Caíram o cerco ao dólar e as travas comerciais. Exportadores de soja e outros produtos puderam esvaziar seus armazéns, por fim vendendo aquilo que vinham guardando para épocas mais propícias. Macri ainda tem feito uma boa figura no exterior, mostrando-se como um presidente pró-mercado e anti-populista, passeando por fóruns, falando duro contra a Venezuela e contra os populismos e vendendo uma “nova Argentina”, além de receber em Buenos Aires a líderes mundiais de primeira linha, como Barack Obama (EUA) e François Hollande (França).

Porém… internamente o presidente vem enfrentando problemas que não parecem se dirigir para um final feliz, pelo menos não a curto prazo. Desde que assumiu, em dezembro, maldizendo a “herança maldita” do kirchnerismo, Macri vem prometendo que “no segundo semestre as coisas vão melhorar”. Para tudo que aparecia de bastante complicado: como o disparo do dólar depois do fim do cerco cambiário, a maxidesvalorização do peso e a inflação que já chega aos 40% (é a segunda maior da América Latina, após a da Venezuela), Macri e sua equipe tinham uma única resposta: “no segundo semestre as coisas vão melhorar”.

Pois o tal segundo semestre está aí e as nuvens cinzas parecem longe de desaparecer. Tanto o argentino “de a pié” quanto o turista sentem no dia-a-dia um verdadeiro assalto a cada compra de coisas básicas. Do café com medialunas às contas de luz, transporte e água. Os jornais, que vinham em uma lua-de-mel com o novo presidente, já começam a mostrar vozes dissonantes, e a publicar matérias mostrando como é mais caro hoje tomar um café na capital argentina do que em Madri ou em Roma, e que uma pizza pode sair mais caro no bairro de Palermo do que no Principado de Monaco.

Os caixas eletrônicos também dão um bom exemplo da diluição da moeda argentina, quando antes só havia a possibilidade de retirada de um limite máximo de mil pesos, agora existe também a opção de sacar até 3 mil. Bilhetes de 200 e 500 pesos estão em processo de serem lançados logo no mercado. E uma ida a uma casa de câmbio, hoje, exige o dobro de cuidado para um turista. Ao trocar uns trocados para despesas de um par de dias de passeio, o sujeito pode sair da agência com bolos de dinheiro complicados de guardar em bolsas pequenas.

“Se esperavam por um mago, não sou eu”, já disse Macri outro dia, mostrando que algo da antiga irritação tão bem domada em tempos de campanha começa a ressurgir nesses tempos bicudos. Com uma equipe de comunicação habilidosa, o presidente usa agora eufemismos ao tratar do ajuste e da inflação, prefere falar em “sinceramento” de preços e, obviamente, culpar os excessos de subsídios e benefícios concedidos pelo governo anterior.

É certo que os argentinos têm dado o benefício da dúvida e um voto de esperança ao novo presidente, mas aumentos de tarifas em mais de 700%, o corte de subsídios, mais de 200 mil demissões nas estatais e um aumento na pobreza (cuja redução era sua bandeira) em cerca de 1,5 milhão de pessoas começam a  alarmar alguns setores. Além disso, vem ocorrendo algo que é histórico na Argentina. Quando o presidente é peronista, os sindicatos se dividem. Parte fica a seu lado, a outra lhe faz oposição. Se o presidente não é peronista, todos se juntam contra ele. E isso, de fato, já vem ocorrendo e são um fator de distúrbio. Se a inflação não baixar mesmo no tal “segundo semestre”, pode se transformar em uma real dor-de-cabeça para o mandatário.

Para terminar, não vem ajudando algumas inverdades ditas pelo mandatário. No começo do mandato, ele, que é herdeiro de uma das grandes fortunas da Argentina, disse que seus bens seriam entregues a um fidecomiso, o que até agora não deu mostras de fazer. Ou seja, administra um país e seus negócios _que se beneficiam ou não de decisões suas_ ao mesmo tempo. Depois de ter o nome citado nos Panama Papers, disse que não possuía dinheiro em paraísos fiscais. Na sequência, porém, reconheceu uma conta com cerca de US$ 1,2 milhão nas Bahamas, mas advertiu que repatriaria esse dinheiro que antes não dizia que tinha.

O tal conto do “segundo semestre” não é apenas um recurso retórico. Macri precisa realmente controlar a inflação e parecer transparente como jurou que seria no que resta de 2016. Isso porque, em 2017, os argentinos voltam às urnas para renovar parte do Congresso. E a oposição, que vinha variando entre colaborativa, observadora ou abertamente opositora, vai rumando aos poucos para concentrar-se no terceiro grupo. Macri tem tempo, tem capital político e vem amealhando bom apoio internacional. Mas algo significativo precisa acontecer na economia interna para que os argentinos sigam acreditando nele, lembrando sempre que sua eleição se deu por uma diferença muito pequena de votos (600 mil).