Morre Patricia Derian, a secretária norte-americana que confrontou a ditadura argentina

Sylvia Colombo
Patricia Derian, secretária na gestão Jimmy Carter, em imagem dos anos 1970 (Foto Reuters)
Patricia Derian, subsecretária na gestão Jimmy Carter, em imagem dos anos 1970 (Foto Reuters)

Patricia Derian era uma jovem e ativa subsecretária de Direitos Humanos do governo dos EUA quando, em uma visita à Argentina, em 1977, fez uma visita à ESMA e foi recebida pelo comandante da Marinha, o almirante Emilio Massera (1925-2010). A Escola Superior de Mecânica era, então, um centro clandestino de torturas onde, até o final da ditadura, morreriam 500 pessoas, mas Derian supostamente não deveria saber disso. Tratava-se de uma visita formal em que o governo argentino tentava passar uma ideia de normalidade. Naquele edifício, dizia Massera, apenas se estavam formando novos oficiais.

Derian não acreditava, pois tinha reunido informação suficiente e contava inclusive com um mapa que mostrava onde, na escola, ficavam as celas e aconteciam as sessões de tortura. Em uma entrevista que deu anos depois, ela contou, sobre aquele encontro: “Estávamos sentados em poltronas de couro, um ao lado do outro. Então eu disse a Massera: ´sei que tem gente sendo torturada aqui mesmo, debaixo desse teto. Provavelmente alguém está sendo torturado agora, debaixo de nossos pés´. O mais surpreendente foi a resposta de Massera, ele me disse: ´Você se lembra de Poncio Pilatos?´, fazendo o gesto de quem lava as mãos. Foi um dos momentos mais horríveis de minha vida.”

A subsecretária não sossegou. Ao voltar, denunciou o governo argentino e preparou um relatório que reunia mais de 5 mil denúncias de abusos de direitos humanos na Argentina. O governo dos EUA, que até 1977 havia apoiado o golpe e a perseguição a seus opositores com a benção de Henri Kissinger, mudou então de posição com relação ao país sul-americano. As denúncias de Derian fizeram com que fosse interrompida a ajuda militar de seu país aos generais argentinos e sua campanha deu projeção internacional aos abusos, até que o próprio Carter recriminasse Videla, em visita a Buenos Aires. Em 1985, já depois da redemocratização do país-vizinho, Derian voltou para testemunhar no Julgamento das Juntas, promovido pelo governo de Raúl Alfonsín (1983-1989) para punir os responsáveis pela repressão. Ela dizia repetidamente que os EUA deveriam valorizar os princípios sobre os quais a nação se fundara e que, em muitos momentos não havia sido assim, “nossa história tem um passado muito obscuro”.

Derian morreu na madrugada deste sábado (21), nos EUA, aos 86, vítima de complicações relacionadas à doença de Alzheimer. Na imprensa norte-americana, também foi lembrada por sua atuação em outros países, como na então União Soviética, onde denunciou a perseguição a judeus e dissidentes, na Indonesia e no Paquistão. Sua convocação para a equipe de Carter se deu pelo destaque que ganhou no Mississipi, onde atuava na campanha contra o segregacionismo. Em uma entrevista ao “Washington Post”, em 1981, Derian disse, sobre seu trabalho naquele tempo: “Minha tarefa mais difícil era demonstrar que a diplomacia dos EUA não deveria se resumir a interesses políticos, econômicos e de segurança. Tentei fazer aquela burocracia entender que os direitos humanos eram um ponto essencial, e que faziam parte dos interesses dos EUA.”