Morre Patricia Derian, a secretária norte-americana que confrontou a ditadura argentina
Patricia Derian era uma jovem e ativa subsecretária de Direitos Humanos do governo dos EUA quando, em uma visita à Argentina, em 1977, fez uma visita à ESMA e foi recebida pelo comandante da Marinha, o almirante Emilio Massera (1925-2010). A Escola Superior de Mecânica era, então, um centro clandestino de torturas onde, até o final da ditadura, morreriam 500 pessoas, mas Derian supostamente não deveria saber disso. Tratava-se de uma visita formal em que o governo argentino tentava passar uma ideia de normalidade. Naquele edifício, dizia Massera, apenas se estavam formando novos oficiais.
Derian não acreditava, pois tinha reunido informação suficiente e contava inclusive com um mapa que mostrava onde, na escola, ficavam as celas e aconteciam as sessões de tortura. Em uma entrevista que deu anos depois, ela contou, sobre aquele encontro: “Estávamos sentados em poltronas de couro, um ao lado do outro. Então eu disse a Massera: ´sei que tem gente sendo torturada aqui mesmo, debaixo desse teto. Provavelmente alguém está sendo torturado agora, debaixo de nossos pés´. O mais surpreendente foi a resposta de Massera, ele me disse: ´Você se lembra de Poncio Pilatos?´, fazendo o gesto de quem lava as mãos. Foi um dos momentos mais horríveis de minha vida.”
A subsecretária não sossegou. Ao voltar, denunciou o governo argentino e preparou um relatório que reunia mais de 5 mil denúncias de abusos de direitos humanos na Argentina. O governo dos EUA, que até 1977 havia apoiado o golpe e a perseguição a seus opositores com a benção de Henri Kissinger, mudou então de posição com relação ao país sul-americano. As denúncias de Derian fizeram com que fosse interrompida a ajuda militar de seu país aos generais argentinos e sua campanha deu projeção internacional aos abusos, até que o próprio Carter recriminasse Videla, em visita a Buenos Aires. Em 1985, já depois da redemocratização do país-vizinho, Derian voltou para testemunhar no Julgamento das Juntas, promovido pelo governo de Raúl Alfonsín (1983-1989) para punir os responsáveis pela repressão. Ela dizia repetidamente que os EUA deveriam valorizar os princípios sobre os quais a nação se fundara e que, em muitos momentos não havia sido assim, “nossa história tem um passado muito obscuro”.
Derian morreu na madrugada deste sábado (21), nos EUA, aos 86, vítima de complicações relacionadas à doença de Alzheimer. Na imprensa norte-americana, também foi lembrada por sua atuação em outros países, como na então União Soviética, onde denunciou a perseguição a judeus e dissidentes, na Indonesia e no Paquistão. Sua convocação para a equipe de Carter se deu pelo destaque que ganhou no Mississipi, onde atuava na campanha contra o segregacionismo. Em uma entrevista ao “Washington Post”, em 1981, Derian disse, sobre seu trabalho naquele tempo: “Minha tarefa mais difícil era demonstrar que a diplomacia dos EUA não deveria se resumir a interesses políticos, econômicos e de segurança. Tentei fazer aquela burocracia entender que os direitos humanos eram um ponto essencial, e que faziam parte dos interesses dos EUA.”