Por que o confronto com os sindicalistas ameaça Macri?

Sylvia Colombo
Sindicalistas marcham contra o presidente Macri (Foto Clarín)
Sindicalistas marcham contra o presidente Macri (Foto Clarín)

O que aconteceu na Argentina nesta semana não é algo menor e pode marcar o fim da lua-de-mel entre o presidente Mauricio Macri e aqueles que, até então, o apoiavam.

Uma imensa marcha tomou as ruas de Buenos Aires _o que não seria algo tão incomum na fervilhante política argentina não fosse a concentração das siglas que se via nas bandeiras empunhadas. Basicamente, o que se pode interpretar da jornada é que o sindicalismo, em suas diversas facções e vertentes, voltou a estar unido como nunca esteve nas últimas décadas.

E isso, a história argentina está cheia de exemplos, nem sempre é um bom sinal.

Parece anacrônico falar de importância de sindicatos num mundo como o de hoje, de alteração tão profunda das estruturas do mundo do trabalho. Mas, na Argentina, não é. O sindicalismo é tradicionalmente forte o suficiente para manter ou derrubar um governo. Cortar estradas e definir o fim do abastecimento de alimentos, remédios ou jornais, ou, ainda, garantir quórum em eventos de apoio a determinado político ou partido.

Nos últimos 12 anos de governo kirchnerista, o governo se comportou como sempre fizeram os peronistas. Manteve os sindicatos divididos dentro de suas próprias estruturas. Parte da CGT estava com a presidente, a outra parte, contra. Em constantes negociações e entregas de benefícios, dividiram-se as principais centrais sindicais em um ou mais grupos, anulando seu poder como conjunto enquanto, caso a caso, condicionavam-se os aumentos e, assim, se garantia a tranquilização das ruas.

Estratégia questionável e um tanto perversa? Sem dúvida, mas o fato é que funcionou por mais de uma década.

Não foi um período fácil, e a fricção entre Cristina Kirchner e o principal líder sindicalista, o caminhoneiro Hugo Moyano, foi um sinal disso. Apesar de algumas greves, cortes de ruas e bate-bocas, a presidente conseguiu manter o sindicalismo aquietado, não sem provocar o acúmulo do rancor causado pelo fato de a presidente haver preferido apoiar-se em movimentos de militância juvenil, como o La Cámpora, em vez das uniões trabalhistas, como fazia o general Perón (1895-1974).

Não há argentino com mais de 30 anos que não guarde uma lembrança amarga de como se punham os sindicatos quando não eram atendidas as suas demandas no passado. Dia desses, aqui na Feria Internacional del Libro, em Buenos Aires, um editor amigo contou como, ainda moleque, deu-se, no meio da rua, com um sindicalista baleado e morto sendo removido às pressas da via.

Já distantes no tempo também estão os confrontos entre sindicalistas e montoneros, que resultaram em diversos confrontos, como o Massacre de Ezeiza (1973), e no assassinato do líder sindical Jose Ignacio Rucci, no mesmo ano, que marcou o começo do fim do último governo de Juan Domingo Perón.

Os líderes sindicais, também, são para o imaginário argentino médio, os artífices e executores de algumas empreitadas bastante soturnas, como a Triple A _esquadrão da morte que atuava sob Perón e cuja estrutura foi depois aproveitada pela repressão nos tempos da ditadura militar (1976-1983).

Obviamente, isso não quer dizer que o sindicalismo argentino seja uma instituição nefasta, criminosa ou desnecessária. Sem ele, não teria sido possível proteger os trabalhadores e seus salários em tempos duros de crise e hiperinflação, cíclicos e contínuos através do tempo. E é claro que há, dentro das estruturas, líderes sindicais que se movem por ideais nobres e dentro da legalidade.

Mexer com essa força, porém, que contém muitos líderes que não veem limites em suas ações quando apontam para seus objetivos e que, muitas vezes, optaram por soluções violentas no passado, não parece ser uma boa ideia.

Infelizmente, é isso o que está acontecendo. Os milhares de trabalhadores sindicalizados que foram às ruas nesta semana pela primeira vez esqueceram as diferenças internas dos tempos de kirchnerismo.

As três facções da CGT, as duas da CTA e tantas outras apagaram suas discórdias e marcharam juntas. O objetivo: protestar contra a inflação descontrolada _que já ultrapassou os 40%_, as mais de 100 mil demissões nas estatais e tantas na iniciativa privada, o fim dos subsídios e o aumento das tarifas de transporte, das contas de gás e energia e da gasolina. Como se fosse pouco, acaba de desembarcar, com algum atraso, na Argentina, o Uber, o que, como se pode imaginar, tem causado fúria entre os sindicatos que representam taxistas.

Macri prepara um "locro", com a mulher, Juliana Awada (Foto La Nación)
Macri prepara um “locro”, com a mulher, Juliana Awada (Foto La Nación)

O que muitos se perguntam em Buenos Aires hoje é se o novo presidente tem preparo para enfrentar a barra-pesada que é a negociação com os sindicatos, proteger os trabalhadores da alta inflação e de pacificar a situação para o bom funcionamento da sociedade.

Esquecidas pela lua-de-mel da eleição, voltaram ao debate as fragilidades de Macri, tantas vezes reforçadas durante seu tempo de prefeito de Buenos Aires e na campanha para a Presidência. Para a opinião popular comum, o ex-presidente do Boca é um menino rico, crescido em Barrio Parque _um dos mais nobres da capital argentina_, que nunca passou por reais dificuldades na vida, acostumado a festas e verões em Punta del Este, e que, como homem público, passou alguns vexames por estar fora da capital quando esta se inundava ou sofria apagões no verão, por estar em algum cruzeiro na Europa ou, ainda, acompanhando alguma partida da Copa dos Campeões, na Espanha.

No dia da marcha, Macri não foi visto, estava em viagem pelo interior do país. Falou por ele o chefe de gabinete, Marcos Peña, dando uma resposta protocolar e dizendo-se solidário e atento aos pedidos das ruas.

Macri surgiu apenas dois dias depois.

A seu estilo, fazendo brincadeiras, esteve com trabalhadores da área gastronômica, participou da preparação de um “locro” _um prato típico local e popular_ e disse apenas, para justificar os ajustes, que “se fosse fácil imprimir dinheiro e resolver os problemas, estaríamos todos felizes”. Tentou compensar sua dificuldade de fazer política com seu perfil de presidente “farandulero”, que dança, brinca, faz piadas e tenta conquistar pela simpatia.

A negociação dura, esta, Macri tem deixado a seus ministros.

A parte que pode transmitir alguma segurança é que os sindicatos são grupos pragmáticos. Se lhes acenam com favores, com aumentos que compensem pelo menos boa parte da terrível inflação de mais de 40% _segundo consultorias independentes, pois o INDEC segue “sendo reformulado”_, é possível que se realinhem em favor do presidente. Ideologia não é algo a que esses grupos se apeguem muito, exceto os mais fanáticos.

O desafio de Macri e sua equipe é como fazer isso diante de um dólar em disparada, de um Brasil (principal parceiro comercial) em grave recessão, e de vários setores da indústria e do empresariado atuando em câmara lenta, meio que esperando para saber se virão mesmo os tais investimentos estrangeiros semeados nos últimos meses.

Outra das frases que ouvi, de garçom de restaurante a atendente de supermercado chinês, de jornalistas e de gente do mercado editorial, é: “está todo mundo esperando o segundo semestre”. Ou seja, se até lá o imenso esforço de pagar os fundos-abutre, sair bem na foto com Obama e ir a Davos, não render um retorno em dólares entrando no país para mover a economia e fazer o país voltar a crescer, Macri estará em sérios problemas.

Enquanto isso, os sindicatos apenas começaram a mostrar sua impaciência.

Pode ser o começo do fim de um consenso pró-Macri ou a pressão que estava faltando para que o novo governo tome, enfim, medidas mais pragmáticas para aplacar a inflação e reduzir o aumento ainda mais acelerado dos índices de pobreza _o que, afinal, era uma de suas bandeiras de campanha.

O aviso se viu nas ruas nesta semana.