Por que a Colômbia não assinou a paz com as Farc hoje?

Sylvia Colombo
O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, o ditador cubano Raúl Castro e o líder das Farc, Rodrigo "Timochenko" Londoño (Foto AP)
O colombiano, Juan Manuel Santos, o cubano Raúl Castro e o líder das Farc, Rodrigo “Timochenko” Londoño (Foto AP)

Era para ser um dia de festa. O mais esperado da gestão Juan Manuel Santos e de toda uma geração que ainda não conheceu seu país em tempos de paz.

No último dia 23 de setembro, reunidos em Havana, o presidente colombiano e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Rodrigo Londoño (conhecido como “Timotchenko”), haviam acertado que nesta quarta-feira, dia 23 de março de 2016, estaria assinado o acordo de paz que colocaria ponto final no conflito entre as Farc e o Estado colombiano.

Uma guerra que já dura 50 anos e já deixou uma trilha de sangue, com a morte de mais de 250 mil colombianos.

Infelizmente, o prazo não se cumpriu. Apesar de o acordo ter tido avanços importantes nos últimos 3 anos de negociação, há desavenças com relação a um último ponto. Desavenças tão grandes que já dividiram a própria guerrilha _em sua hierarquia interna, há uma facção que já não se considera representada pelos líderes que estão em Havana negociando com o governo. Do lado dos colombianos, há divisão, a maioria apoia a paz de um modo geral, mas cresce o repúdio a algumas concessões que, ao que parece, o governo terá de fazer se quiser de fato encerrar essa guerra.

Mas o que, especificamente, não está dando certo?

Até o dia de hoje, governo e Farc já estão de acordo com relação aos pontos considerados mais polêmicos. Os negociadores têm propostas já aceitas dos dois lados com relação à reparação das vítimas, à formação de uma Comissão da Verdade, à instalação de uma Justiça especial que dará indultos e reduzirá penas a quem fornecer informações, além de ter ficado decidida a interrupção do cultivo de coca, o fim dos voos de fumigação e a retirada de minas terrestres.

É bastante coisa. Mas, no começo do ano, as Farc se dividiram com relação ao último passo a ser dado. Trata-se do ponto que trata do desarmamento, do destino físico dos guerrilheiros condenados e do que será feito das áreas hoje em poder das Farc.

O governo quer uma entrega imediata de todas as armas em poder da milícia. As Farc preferem fazer um desarmamento gradual. Seu argumento é que temem represálias de grupos inimigos e dos paramilitares, além de acertos de contas antigos e ataques de milícias rurais. Essa entrega gradual, segundo eles, seria uma garantia de segurança.

Com relação a como cumprirão pena os guerrilheiros condenados pelo tribunal especial, a celeuma está com relação ao tipo de cárcere que será usado. Já está acordado que não irão a prisões comuns. O governo sugere um modelo semelhante ao de colônias agrícolas. Mas as Farc querem uma distinção também nisso. Exigem que essas colônias sejam em áreas já ocupadas por eles e que estas devem ter certa autonomia. O governo vê isso como uma forma de manter uma situação que já existe, em que áreas do país estão fora da lei.

Com relação às áreas ocupadas hoje pela milícia, as Farc dizem que querem participar de como serão reaproveitadas pelo país e querem poder concorrer a cargos locais. A participação de ex-guerrilheiros na vida política já havia sido garantida em uma etapa anterior do acordo, mas faltava regular como seria esse acesso. O governo prefere que as Farc formem um partido e concorram a eleições. E esse item é justamente um dos que mais encontram rejeição entre os colombianos.

Ainda que tudo isso seja acertado e o acordo venha a ser assinado nas próximas semanas _até o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, entrou no debate nos últimos dias para tentar ajudar a destrava-lo_ ainda assim faltará uma etapa. Trata-se da aprovação por parte da população.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, em reunião com as Farc (Foto AP)
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, em reunião com as Farc (Foto AP)

Isso se dará por meio de um referendo ou plebiscito, que terá lugar de dois a três meses depois da assinatura do acordo. Santos diz querer a aceitação da maioria dos colombianos, para que o Congresso se veja movido a apoiar as mudanças constitucionais que serão necessárias para viabilizar vários itens do acerto _entre eles o estabelecimento da Justiça especial, o status diferenciado de prisões e territórios públicos, etc.

As últimas pesquisas de opinião dizem que a maioria dos colombianos deseja o fim desse conflito _cerca de 70% da população, de acordo com o instituto Cifras y Citas. Porém, há várias diferenças de opinião com relação a pontos específicos. Por exemplo, 77% não querem que os ex-guerrilheiros possam concorrer a cargos públicos e quase 80% aceitam que recebam anistias ou indultos.

O governo se diz otimista, e Santos já viaja pelo para arrecadar fundos para o chamado “pós-conflito”, apóia-se nessa maioria de conterrâneos que não aguentam mais viver num país em guerra. Acredita que uma boa campanha de esclarecimento, após a assinatura do acordo, fará com que os colombianos acabem votando a favor dele. Já a guerrilha precisa limar arestas e encontrar um consenso entre os que negociam em Havana e os que se opõem às negociações e seguem na floresta, prontos para o combate.

Seria uma pena que um esforço de 3 anos de negociação se perdesse nesse momento. Os países da região, em geral, apoiam o presidente Juan Manuel Santos. Porém, nesse momento em que o acordo patina e ameaça se esfacelar, talvez fosse conveniente uma demonstração mais enfática de solidariedade dos vizinhos, Brasil incluído.