Espanha tenta reconquistar AL com Cervantes
Desde que se viram metidos numa grave crise econômica, os espanhóis colocaram na América Latina parte de sua salvação. As principais empresas, de diversos rubros, desembarcaram aqui ou incrementaram investimentos já existentes _no Brasil, por exemplo, os espanhóis ocupam o segundo posto de maiores investidores, perdendo apenas para os EUA.
Com a cultura, não foi diferente. Já é comum ouvir das grandes editoras da Espanha que seu principal público leitor está mesmo é no Novo Mundo, e mesmo seu principal jornal, o “El País”, faz novo avanço em nossos territórios, abrindo sucursais em Bogotá e reforçando seus escritórios no México e na Argentina, além de manter o “El País”, versão brasileira.
A sétima edição do Congreso Internacional de la Lengua Española, que ocorre nesta semana em Porto Rico, segue essa tendência. Também não é de hoje que os responsáveis por observar, regular e modernizar o idioma, a Real Academia, com sede em Madri, tem reeditado sua gramática para harmonizar a língua tradicional com a realidade da fala popular dos países hispano-americanos. A mais recente versão, editada em 2011, incorporava diversos americanismos e teve intensa participação de mais de 20 academias do lado de cá do Atlântico _que também lançaram, na época, seu dicionário de americanismos.
Na atual festa, os espanhóis desembarcaram em Porto Rico com uma grande homenagem a Cervantes, cujo quarto centenário da morte ocorre dentro de um mês. Um dos destaques do primeiro dia, aberto pelo rei da Espanha, foi a participação do prêmio Nobel francês Le Clézio, que falou apaixonadamente do clássico espanhol. O que a princípio pareceu estranho, foi logo explicado. Lé Clezio disse que aprendera espanhol e conhecera o “Dom Quixote” quando, adolescente, viajou ao México para fugir do serviço militar francês. “Eu nem falo direito, não estudei, meu espanhol é ‘callejero´ (da rua)”. Também participam o peruano Mario Vargas Llosa, o chileno Jorge Edwards e outros.
Os porto-riquenhos adicionaram um pouco de suas próprias questões contemporâneas de afirmação cultural. Atualmente integrando os EUA, o estado vê crescer um sentimento independentista e vem reafirmando o espanhol como a língua mais falada pela população _apesar de o território ser oficialmente bilíngue. Sintonizado com um debate já aberto na Europa, que está celebrando também os 400 anos da morte de Shakespeare, o Congresso tenciona discutir a relação do espanhol com o inglês, o “spanglish” e outras variações de mistura de ambas.
Hoje, falam espanhol nada menos que 500 milhões de pessoas no planeta. A Espanha demorou, mas reconheceu que o idioma vai muito além de suas fronteiras. Cervantes como embaixador do idioma é mais do que apropriado, como disse à Folha o ministro de Cultura da Espanha, José María Lasalle: “Cervantes quis viajar para a América, sonhava com isso e batalhou para conhecer o Novo Mundo. Não conseguiu, mas hoje podemos ler essa sua vontade como algo premonitório. Era nessa direção que a Espanha iria.”