Vargas Llosa manda recado ao Peru em novo romance
O escritor peruano Mario Vargas Llosa, 79, lançou na semana passada, no Círculo de Belas Artes, em Madri, seu mais recente romance, “Cinco Esquinas”. Com uma trama política sobre os anos 90, porém relacionada à realidade atual de seu país, o Nobel lança seu olhar sobre o Peru que se prepara para ir às urnas e escolher o próximo presidente no dia 10 de abril.
Adiante nas pesquisas, está a filha do ex-ditador Alberto Fujimori, contra quem Vargas Llosa disputou o cargo de presidente em 1990, e que hoje está preso por crimes contra a humanidade. O autor de “Lituma nos Andes” é um ferrenho crítico da candidatura de Keiko Fujimori e disse que apoiará qualquer alternativa que dispute com ela um por enquanto provável segundo turno _a oposição atualmente está fragmentada em várias candidaturas.
“Cinco Esquinas” leva o nome de um bairro cujo vértice é uma curiosa intersecção de Lima, localizada na zona de Barrios Altos, onde há o cruzamento de cinco ruas. A região tem vínculo forte com a história colonial da cidade, uma vez que era uma área de prestígio, concentrava o eixo da atividade econômica e era sede de embaixadas, além de ser um ponto de passagem e de encontro. Depois, a região foi se deteriorando, transformando-se em local perigoso, com atuação de traficantes e muita violência. No começo do século 20, começou a viver uma certa ressurreição, resgatando seu caráter boêmio. Na zona viveram importantes escritores peruanos, como César Vallejo e José Maria Arguedas. E foi onde um jovem Mario Vargas Llosa, então com apenas 16 anos, foi parar em algumas de suas noites de boemia, quando trabalhava no jornal “La Crónica”.
O enredo se passa nos anos da ditadura Fujimori (1990-2000), mas a figura central do livro não é tanto o pai de Keiko, mas sim seu assessor e chefe do serviço de inteligência, Vladimiro Montesinos.
Assim como Fujimori, Montesinos hoje está preso, cumprindo pena de 15 anos e aguardando novos julgamentos por corrupção, narcotráfico, desaparições e organização de milícias paramilitares. “Montesinos me fascina porque através dele se expressa todo o horror, a violência, a corrupção, o atropelo da legalidade e o desprezo para os direitos humanos”, disse em entrevista a um meio peruano.
Vargas Llosa coloca a lente na ação da imprensa sensacionalista da época, que acusa de agir a mando do governo. Não era incomum, na época, que os jornais publicassem notas e matérias desconstruindo opositores, apontando-os como protagonistas de escândalos, muitos deles inventados. “Foi algo original da ditadura fujimorista, criar e financiar diários para castigar seus críticos”, disse Vargas Llosa em uma entrevista para um canal espanhol.
O ponto mais agudo da crítica social e política apresentada no romance é o fato de sugerir que o fujimorismo representa um trauma ainda não vencido ou superado no Peru. Segundo o escritor, isso explica o fato de Keiko Fujimori estar adiante nas pesquisas de opinião, e de o fujimorismo ainda estar bastante vivo.
Ainda que tenha sido crítico, inicialmente, também do atual presidente Ollanta Humala, hoje declara que seu governo foi bom, e que isso se deve a um “consenso de que a democracia é um bem comum a todos, que deve ser defendida, e que a liberdade econômica deu frutos ao país”, disse à Folha, em setembro.
O Peru foi um dos países que mais cresceu na época do “boom” das “commodities” e, mesmo com a atual desaceleração internacional, mantém a dianteira entre países da América do Sul. “Tenho certeza de que os peruanos não serão insensatos e irão escolher continuar nesse caminho. Fujimori representou um período de muito sangue e corrupção”, completou.
Às vésperas de completar 80 anos, no próximo dia 28, Vargas Llosa contou, ao final da escritura do livro, com uma experiência de vida real que alimentou a obra. O escritor rompeu seu casamento de décadas com Patrícia Llosa e assumiu publicamente estar namorando a celebridade Isabel Preysler, ex-mulher do cantor Julio Iglesias. O caso causou furor na “prensa del corazón” espanhola e bastante desconforto para o autor. Hoje, Vargas Llosa se diz resignado a esse tipo de cobertura. O que ficou ainda mais evidente no sorriso do casal, que chegou de mãos dadas na apresentação em Madri.