Papa pede tequila, mas enfrenta saia-justa e pesadelos no México

Sylvia Colombo
O papa Francisco, no Vaticano, com bandeira do México (Foto Reuters)
O papa Francisco, no Vaticano, com bandeira do México (Foto Reuters)

O papa Francisco brincou outro dia com um fiel mexicano em Roma, que celebrava sua visita ao México, que tem início amanhã (12) e vai até dia 17. “Com tequila ou sem tequila?”, perguntou, rindo, o pontífice (vídeo abaixo). E assim, com seu jeito conciliador e informal, Bergoglio vem se referindo à visita ao segundo mais populoso país da América Latina. O timing por ali talvez não seja o melhor para um encontro festivo, pois os problemas não param de se acumular. Certas áreas do país encontram-se em plena guerra, com o enfrentamento entre cartéis e as Forças Armadas somando já mais de 80 mil mortos e quase 30 mil desaparecidos. Porém, especialmente nas últimas semanas, o clima se agravou ainda mais devido a alguns fatos.

Em primeiro lugar, a equipe de forenses estrangeiros que vinha analisando a explicação do governo de que parte dos 43 estudantes desparecidos em Ayotzinapa (Guerrero), em setembro de 2014, havia sido queimada num lixão em Cocula, desmentiu a versão oficial. A conclusão dos peritos expõe ainda mais a inabilidade do governo federal de lidar com esse caso, que envolve autoridades locais, polícia, Exército e o próprio presidente Enrique Peña Nieto, que prometeu solução rápida e eficiente ao terrível mistério, que continua em aberto.

Depois, veio a notícia da morte de mais um jornalista em ação no país. Trata-se de Anabel Flores Salazar, de 32 anos, e marca que o perigo para os profissionais da imprensa no México está especialmente em seu Estado, o de Veracruz, onde já morreram nada menos que 17 desde 2010. O número total desde que começou a guerra do governo contra o narcotráfico, em 2006, é de mais de 60 jornalistas mortos em todo o país. O dramaticamente curioso é que os colegas em questão, em sua maioria, não estavam trabalhando apenas em notícias sobre tráfico de drogas, muitos denunciavam casos locais de corrupção, envolvendo políticos _para que se tenha uma ideia de como, regionalmente, crime e corrupção de autoridades estão muito conectados. Jornalistas estrangeiros baseados no DF, como o escritor e investigador Ioan Grillo (autor de “El Narco”) destacam que, sem a presença e ação dos repórteres dos jornais locais, é muito difícil saber o que ocorre nos rincões do país _alguns onde até prefeitos e funcionários públicos recusam-se a sair na rua, que dirá reportar algo às autoridades nacionais. Parece que, com esse verdadeiro extermínio de repórteres em curso, a ignorância sobre as brutalidades apenas aumentará.

Banca de jornais com revistas de celebridades estampando o casal presidencial e o papa (Foto Reuters)
Banca de jornais com revistas de celebridades estampando o casal presidencial e o papa (Foto Reuters)

Outro caso a causar embaraço ao papa é a denúncia feita pela revista “Proceso” de que a Igreja Católica mexicana deu um tratamento especial ao processo de divórcio da atual primeira-dama, a atriz Angelica Rivera, para que ela pudesse se casar a tempo de Enrique Peña Nieto entrar em campanha nas eleições de 2012. Segundo a revista, o divórcio da atriz saiu em tempo recorde, a pedido do PRI (Partido Revolucionário Institucional). O casal presidencial não comentou as acusações.

O próprio Bergoglio já vem tendo de escapar de outra saia-justa, essa provocada por ele mesmo, com relação aos mexicanos. No ano passado, ao conversar com uma pessoa de sua confiança sobre a situação do narcotráfico em seu próprio país, o atual papa disse que se deveria evitar a “mexicanização” da Argentina. Os mexicanos se sentiram ofendidos, obviamente, e o papa se justificou dizendo que o termo não era pejorativo, mas sim correspondia a uma realidade técnica. Parece ter tentado consertar a “gafe” ao pedir, em seus planos iniciais antes da visita aos EUA, para entrar no país do norte pela fronteira, como fazem tantos imigrantes ilegais. A hipótese, porém, acabou sendo descartada.

Analistas acreditam que o papa não deve se furtar de fazer comentários aos assuntos mais urgentes do país, a violência, o narcotráfico, os sofrimentos causados pela imigração ilegal. O Vaticano, porém, não quis que o papa se encontrasse com líderes religiosos que atuam em áreas de risco, como o padre Alejandro Solalinde, e outros que possuem abrigos ou casas de ajuda a imigrantes e vítimas da guerra. Seu transporte vai ser feito em grande parte por via aérea. E a Ciudad Juarez que visitará está longe de ser o território de guerra civil de anos atrás. Haverá segurança extra e será uma visita rápida. Sua passagem por Ecatepec, porém, tem sido elogiada pela coragem e por significar, de certa forma, um desafio ao governo. Trata-se de uma das zonas com mais incidência de feminicídios no país. 

(acima, o papa diz porque acha que o Diabo castiga o México)

O governo de Enrique Peña Nieto teme críticas diretas à sua administração (além do puxão de orelhas pelo casamento mal-ajambrado), mas, pelo menos nas últimas entrevistas, o papa tem evitado apontar para questões políticas. “Sempre é fácil dizer que o culpado é o governo”, disse ao canal Univisión, para alívio do presidente. E ainda emendou uma explicação um tanto quanto sobrenatural, como não poderia deixar de ser, para explicar as agruras pelas quais passa o país. “Eu penso que o Diabo castiga o México por causa da aparição da Virgem de Guadalupe. O Diabo não perdoa o México pelo fato de que a Virgem tenha privilegiado o país”. E acrescentou que visitará o México humildemente para prestar homenagem à “madre”.

A avaliação da função de uma visita papal varia muito de acordo com o credo (ou a falta de) e a orientação política de quem a analisa. Mas o fato é que Francisco não passará em branco pelo país de mais de 120 milhões de habitantes, de maioria católica. Deve, como no Equador, na Bolívia, no Paraguai e no Brasil, arregimentar multidões. Seria alvissareiro se sua mensagem fosse de conforto aos que sofrem, mas, mais do que isso, de apontar mudanças na condução dos problemas. Isso será difícil, uma vez que, especialmente no México, o elemento católico é tão responsável pelo espírito resignado com que muitos mexicanos se submetem a uma situação de abandono e violência.

Encerro com as palavras da colega Marcela Turati, da revista “Proceso”, que em uma carta aberta a Francisco pediu: “Não se conforme com o México hospitaleiro dos mariachis, da piedade popular e das danças. Este não é mais o país de Cantinflas, agora se parece mais ao filme “El Infierno” (Luis Estrada), onde cadáveres dão as boas-vindas nas pontes. Você chega a um país onde a guerra não acabou porque não se mudou a estratégia “antidrogas” que causa tantas vítimas.”