O Alan Kurdi mexicano?
Desde o último fim de semana, circulam caricaturas e montagens na internet e ardem as redes sociais mexicanas com imagens como essa. Elas se baseiam no registro, infelizmente real, de um brutal assassinato de um jovem casal e de seu filho de sete meses, que não sai dos noticiários de TV e do destaque dos principais jornais do México. Pela primeira vez desde o início da guerra ao narcotráfico, em 2006, que já deixou mais de 80 mil vítimas fatais, os meios de comunicação não tiveram pudores em exibir a foto desse crime brutal, talvez movidos por um sentimento coletivo de que essa situação de guerra civil dentro do país já superou os limites do que poderia ser aceitável. Está claro que o combate ao narco, do modo como está sendo feito, é um fracasso.
A imagem verdadeira, que inspira a ilustração acima e a de tantos outros cartunistas que se mobilizaram nos últimos dias, é esta:
O bebê assassinado chamava-se Marcos Miguel Pano Colón, e a família foi vítima de um tiroteio entre facções criminosas que disputavam território na cidade de Pinotepa Nacional, no Estado de Oaxaca, um dos mais pobres do país.
Desde já esclareço que sou contra comparar tragédias no sentido de dizer que algumas vítimas recebem mais atenção que outras porque são parisienses e não libanesas, sírias e não alemãs, ricas e não pobres e por aí vai. Toda vida humana perdida de uma forma tão terrível é lastimável e merece séria e contundente resposta. Tanto Alan como Marcos Miguel ainda esperam pela Justiça que lhes corresponde.
O episódio, porém, vem marcando uma reflexão da própria mídia mexicana, que até aqui se eximia de publicar imagens fortes, em parte para “não fazer o jogo” dos criminosos, dando publicidade a suas barbaridades. Mas há os que opinam, e com quem pessoalmente concordo, que deixar de mostrar essas imagens faz com que a notícia se desumanize. Uma coisa é ler: “Tiroteio entre cartéis mata garoto de 7 meses”, outra é ver uma imagem como essa. No México, são tantos os anos de guerra, e tantas as notícias de mortes terríveis, de degolas e de fossas coletivas, que a ideia da tragédia se banaliza e perde impacto no cotidiano. E isso não deveria acontecer.
Provoca, ainda, uma reflexão a meios latino-americanos, que reproduzem a tragédia de Aylan emotivamente, mas não as vítimas das situações conflitivas na Colômbia, no Rio de Janeiro, na Venezuela. A imagem de Alan ajudou a mudar o tratamento que os europeus, de um modo geral, deram aos refugiados sírios. A de Marcos Miguel trará alguma consequência positiva nesse sentido de mobilizar sociedades e governos. Deveria.
Em uma entrevista recente, o escritor mexicano Fernando Del Paso (“Notícias Del Império”) escreveu que lamentava que, até hoje, aos 80 anos de idade, ainda aprendia o nome das localidades mexicanas por conta dos massacres que aí ocorriam. Michoacán, Tlatlaya, Apatzingán, Ayotzinapa são algumas das que entraram no glossário recente por conta de episódios sangrentos. A elas se junta agora Pinotepa, uma cidade do Estado pobre de Oaxaca, onde garotos são recrutados para integrar os cartéis e adultos são empregados com salários miseráveis nas plantações de papoula para produção de heroína exportada aos EUA em grandes quantidades.
O papa Francisco visitará o México no próximo dia 12. Já fez brincadeiras sobre se vai ou não “tomar tequila” e tem preparada para ele uma festa em que até a primeira-dama, a atriz ex-Televisa Angelica Rivera, preparou um CD com artistas nacionais cantando em sua homenagem. O pontífice visitará, entre outros locais, Morelia, a capital do Estado de Michoacán, um dos locais em conflito, com uma grande presença de forças paramilitares em conflito com cartéis e Exército.
Seria importante que o religioso mencionasse o assunto para além da mensagem de “combate às drogas”, e sim pedindo ações alternativas e a desestigmatização da discussão.