Os meus preferidos de 2015 na literatura da AL

Sylvia Colombo

Segue aqui minha lista de melhores do ano na literatura latino-americana. Já aviso que se trata de uma lista um tanto anárquica. Primeiro, porque me refiro a lançamentos em diversos países e por editoras de distintas nacionalidades. Depois, porque deixei de fora o Brasil _para isso, julgo ter colegas mais empenhados em ler a produção recente de modo mais sistemático. Uma pena é ter quase certeza de que boa parte desses títulos não sairão nunca em português. Apesar de heroicas iniciativas de editoras argentinas e brasileiras de traduzir mais a literatura contemporânea dos dois vizinhos, nos últimos tempos, ainda se trata de uma gota no oceano. Aqui, preferimos seguir de costas e, muitas vezes, de nariz empinado para a produção da região. Seguem aqui algumas recomendações. Que bom que existem Amazon, Casa del Libro, Cúspide e outros serviços para nos aproximar desses autores.

1. “Tríptico de la Infamia” (Random House), Pablo Montoya, Colômbia

Vencedor do prêmio Romulo Gallegos deste ano, o autor não é uma das figurinhas carimbadas da nova literatura colombiana. Também, diferentemente da nova geração que vem ganhando projeção internacional, com nomes como Jorge Franco e Hector Abad Faciolince, Montoya não aborda em seus livros os atuais dramas sociais de seu país, e prefere voltar um pouco mais no tempo. Em “Tríptico de la Infamia”, o escritor narra a trajetória de três pintores protestantes da Europa do século 16, e seus principais temas são o medo, o novo, o horror das guerras religiosas e o olhar daquela época para o recém-descoberto Novo Mundo. Até então um discreto professor da Universidade de Antioquia, em Medellín, Montoya virou estrela literária do mundo hispânico e agora chama a atenção por sua vasta produção, mais de trinta livros, entre ensaios e romances. Uma descoberta muito benvinda.

O escritor argentino Ricardo Piglia (Foto El Universal)
O escritor argentino Ricardo Piglia (Foto El Universal)

2. “Los Diários de Emilio Renzi – Años de Formación” (Anagrama), Ricardo Piglia, Argentina

Já conhecíamos o grande romancista que é Ricardo Piglia, mas 2015 foi o ano em que veio à tona talvez sua melhor obra. Os diários que mantém desde a infância começam a sair em várias plataformas. Uma delas é o excelente documentário de Andrés Di Tella (“327 Cuadernos”), em que o cineasta entrevista o autor de “Respiração Artificial” (Companhia das Letras), enquanto ele começa a revisitar seus antigos cadernos. Outra, é a trilogia que começou a sair agora na Argentina. Nesse primeiro volume, estão as entradas que escreveu entre 1957 e 1967 e que contam sua infância e adolescência. Curiosamente, Piglia resolveu chama-los de “Diários de Emilio Renzi”, transferindo suas lembranças a seu alter ego literário. Literatura, política e lembranças pessoais se misturam. Uma poética e valente maneira do escritor de agarrar-se às memórias, ao mesmo tempo em que começou, para tristeza de seus leitores, a padecer de esclerose lateral amiotrófica.

O escritor colombiano Fernando Vallejo (Foto Divulgação)
O escritor colombiano Fernando Vallejo (Foto Divulgação)

3. “Llegarón!” (Alfaguara), Fernando Vallejo, Colômbia

O universo familiar e a chácara Santa Anita, onde cresceu, perto de Medellín, são os cenários recorrentes da obra de Fernando Vallejo, polêmico escritor colombiano que teve de abandonar o país por tanto barulho causado por seus livros que culpam os colombianos, a Igrej, sua família a e os sucessivos governos pelo que considera a ruína de seu país. Muitos preferem seu “A Virgem dos Sicários” (Companhia das Letras), mas sou mais fã de “El Desbarrancadero”, que venceu o Prêmio Romulo Gallegos, em 2003, e narra a morte de seu irmão, vítima da AIDS. Seu novo romance é mais parecido com esse último e narra um retorno fictício do autor _hoje radicado na Cidade do México_ à sua terra-natal, com a ironia e a verve agressiva de sempre.

4.  “El Agua Mala – Crónica de Epecuén y las Casas Hundidas” (Aguilar), Josefina Licitra

Uma das mais gratas descobertas deste ano foi o trabalho da jornalista argentina Josefina Licitra, que publica em várias revistas de jornalismo narrativo da região (“Etiqueta Negra”, “Letras Libres”) e cujo livro mais novo, “El Agua Mala”, que conta a história da inundação de um discreto balneário na província de Buenos Aires, nos anos 1980. À descrição de como a tragédia se desenhou, de um ponto de vista concreto, Licitra adiciona uma investigação das reações humanas, com peso dramático impactante, desde a atuação das autoridades, a criatividade, o desespero e a mesquinhez dos habitantes para salvar suas coisas e casas, mostrando como seu comportamento evolui e se transforma à medida em que a tragédia se agravava.

5. “Correspondencia entre Mario Levrero y Francisco Gandolfo” (Iván Rosado), Argentina-Uruguai

Esse volume precioso traz o diálogo entre dois intelectuais platinos deslocados do eixo porteño, trata-se do uruguaio Mario Levrero (1940-2004) e do cordobês Francisco Gandolfo (1921-2008), editados por um pequeno selo da cidade de Rosario. Levrero é o mais jovem na relação de amizade e ainda não havia se transformado em escritor de sucesso _cujo ápice viria, inclusive, apenas depois de sua morte. Daí muitas de suas missivas tratarem de dificuldades e necessidades logísticas, com o pano-de-fundo da Argentina dos anos de chumbo (1976-1986). Mas o coração do livro é mesmo a troca de ideias sobre literatura, que corre passo a passo com o amadurecimento de Levrero como escritor. Também trata-se de um ótimo mergulho na cena criativa de centros da região do Rio da Prata, mas fora do universo de Buenos Aires.

A escritora mexicana radicada nos EUA Valeria Luiselli (Foto Divulgação)
A escritora mexicana radicada nos EUA Valeria Luiselli (Foto Divulgação)

6. “The Story of My Teeth” (Coffee House Press), Valeria Luiselli, México

Já há algum tempo que a jovem escritora mexicana radicada em Nova York vem se destacando no mercado internacional, e 2015 parece ter sido o seu ano de consolidação como um dos destaques da literatura latino-americana contemporânea. “The Story of My Teeth”, um dos escolhidos na lista dos livros notáveis do “The New York Times”, tem uma história pouco usual. Surgiu de um projeto por encomenda do Grupo Jumex, dono da principal coleção de arte privada do México, que acabou virando uma obra colaborativa. A trama conta a história de um homem que vende dentes supostamente de gente ilustre, mas que no fundo são dele mesmo. Mistério, referências e jogos de narrativa fazem da obra uma leitura que surpreende pelo inusual e pela criatividade.

A escritora mexicana-americana Jennifer Clement (Foto Divulgação)
A escritora mexicana-americana Jennifer Clement (Foto Divulgação)

7. “Reze pelas Mulheres Roubadas” (Rocco), Jennifer Clement, México

Lançado aqui pela Rocco, o romance é baseado numa pesquisa feita pela autora, mexicana nascida nos EUA, que passou meses convivendo com as mulheres do Estado de Guerrero, de onde desapareceram os 43 estudantes, em 2014. Conta a história de um vilarejo abandonado pelos homens, que ou foram para o vizinho do norte tentar a vida, ou se envolveram no narcotráfico. Ali, mães escondem as filhas, cortam seus cabelos e pintam seus dentes, para que não sejam roubadas por criminosos. A relação da pequena Lady com a mãe, uma mulher cheia de manias e marcada pelas tragédias da vida, é de extrema sensibilidade.

A jornalista argentina Leila Guerriero (Foto Divulgação)
A jornalista argentina Leila Guerriero (Foto Divulgação)

8. “Una Historia Sencilla” (Anagrama), Leila Guerriero, Argentina

A jornalista argentina Leila Guerriero, uma das melhores em atividade na região nos dias de hoje, foi a um pequeno povoado na Argentina, Laborde, na província de Córdoba, para relatar como é uma competição tradicional de “malambo”, um gênero de baile típico dos gaúchos, cheio de um sapateado entre o bruto e o poético, e distante da vida urbana de seu país. “Una Historia Sencilla” reconstrói a história e a importância do campeonato a partir dos olhos de um competidor, Rodolfo González Alcántara. O livro saiu em espanhol há dois anos, mas foi em 2015 que ganhou projeção internacional e foi publicado em inglês e em português (pela Bertrand), com elogios na britânica “The Economist” e comparações com o estilo de Gay Talese e Norman Mailer. Na Argentina, acaba de sair também “Zona de Obras”, pela mesma editora, uma coletânea de ensaios e crônicas que é uma boa introdução à obra de Guerriero.

 

9. “Una Casa en Llamas” (El Cuervo), Maximiliano Barrientos, Bolívia

Conheci Maximiliano Barrientos numa tarde abafada de Santa Cruz de la Sierra, às vésperas da re-reeleição de Evo Morales, no ano passado. Nosso papo girou em torno das dificuldades de se fazer literatura longe das capitais que compõem o eixo principal do mercado latino-americano (Buenos Aires, Cidade do México, São Paulo ou Bogotá). Mas sua própria obra mostra que não é impossível. O autor de “Hotéis” (lançado aqui pela Rocco) também me presenteou com dois livros de colegas de geração que começaram então a ganhar projeção, Liliana Colanzi e Rodrigo Hasbún. Agora, Barrientos lança essa coletânea de contos que tem justamente o calor de sua terra-natal como personagem importante, que impacta no modo de pensar, agir e recordar-se dos personagens. Grande leitor de literatura regional, Barrientos também não esconde a predileção e a influência de autores norte-americanos, como Cormac McCarthy.

O escritor chileno Hernán Rivera Letelier (Foto Divulgação)
O escritor chileno Hernán Rivera Letelier (Foto Divulgação)

10. “La Muerte Es una Vieja História” (Alfaguara), Hernán Rivera Letelier, Chile

O primeiro livro policial do sensacional autor chileno Hernán Rivera Letelier trata de uma série de crimes cometidos em Antofagasta, região próxima às minas onde o autor se criou. Ali, um ex-mineiro, desempregado por conta da crise da mineração, vira detetive e, ao lado de uma jovem evangélica, sai à busca de um estuprador que atua num cemitério. Assim como em seus livros anteriores, Letelier explora o universo mítico dessa região e suas histórias, mas, dessa vez, com uma alta dose de suspense. O policial também oferece uma ideia do funcionamento daquela sociedade por meio de suas histórias e paixões secretas.