México pode começar a mudar rumo da guerra ao narco
Desde o último dia 4 de novembro, quatro cidadãos mexicanos passaram a ser as únicas pessoas autorizadas por lei, num país de 125 milhões de habitantes, a produzir e distribuir maconha para uso pessoal. A decisão da Suprema Corte Mexicana a favor dos quatro ativistas (um deles, inclusive, que nem é usuário da droga) marcou um importante novo passo no caminho do debate pela legalização das drogas num dos países em que mais pessoas vêm morrendo aos milhares em consequência da guerra armada para combater o narcotráfico. Na última década, mais de 100 mil pessoas foram assassinadas. Alguns massacres ganharam projeção internacional, e o caso mais grave até agora foi o do desaparecimento de 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa (estado de Guerrerro).
Mas o que a decisão da corte mexicana tem de diferente e, talvez, de positivo?
Segundo explica o especialista Alejandro Hope à Folha: “do ponto de vista judicial haverá avanços, pois a tendência é que as cortes recebam avalanchas de pedidos como os deste grupo. A decisão da Juíza Olga Sanchez abre um precedente, portanto poderemos ver mais autorizações desse tipo sendo distribuídas proximamente.”
É importante notar que a argumentação proposta pelo grupo vitorioso não é a usual, que relaciona o consumo de drogas com o aumento das mortes pelo narcotráfico simplesmente, mas sim apela a direitos de liberdade individual. “Estamos argumentando que o governo está infringindo uma doutrina constitucional que garante o desenvolvimento livre da personalidade”, diz Andres Aguinaco, um dos avogados do grupo, que se chama SMART (Sociedad Mexicana de Autoconsumo Responsable y Tolerante). E acrescenta: “O Estado não pode proibir você de comer um monte de ‘tacos’ porque isso é ruim para a sua saúde.” O grupo acredita que por aí pode começar a atacar o problema da violência.
Esse argumento já havia sido usado antes em cortes no Canadá e na Colômbia como complementares a outros pedidos e não como focos do reclamo. O caso mexicano traz esse direito fundamental como estratégia para lançar um precedente jurídico e, principalmente, colocar o tema na agenda da sociedade.
O analista Hope, porém, não é otimista quanto aos tempos do Legislativo e do processo político para levar o assunto a virar lei na atual gestão, caso uma proposta chegue ao Congresso. Antes de mais nada, porque há grande resistência da opinião pública, hoje dividida praticamente entre 70% contra e 30% a favor de qualquer tipo de legalização de drogas. Os números deixam de mãos amarradas até políticos mais progressistas e liberais num ano que é de véspera de eleição. Em 2016, serão escolhidos 16 governadores em todo o México, e a presença da palavra “droga” sem estar diretamente associada à ideia de “repressão”, entre a população de modo geral, é certeza de perda de votos. Além disso, em várias regiões, o dinheiro do narco está também diretamente relacionado ao do financiamento dos candidatos.
A rejeição em flexibilizar as leis de proibição, além do fato de o narcotráfico ser a fonte de grande quantidade das verbas de campanha política foram algumas das razões pelas quais, em 2012, a guerra ao crime organizado não foi sequer mencionada nas principais campanhas dos candidatos a presidente. O presidente Enrique Peña Nieto elegeu-se sem sequer sugerir um debate sobre a adoção de um modo que não seja o bélico para conter o avanço da morte.
Os tempos, porém, são outros. Peña Nieto cruzou a metade de seu mandato com a popularidade em queda (ao redor dos 40%), apesar de modernizar áreas vitais da economia de seu país, como a energia e a indústria automotriz. Nos últimos anos, Peña Nieto conseguiu atrair para território mexicano várias indústrias de automóveis asiáticas, norte-americanas e europeias.
Se a economia vai bem, levando-se em conta um cenário de desaceleração internacional e de queda do preço do petróleo, que não impedirão o país de crescer 3,5% em 2015, na parte social e de segurança, o governo EPN deixa a desejar, e as pesquisas apontam para essa insatisfação. A sequência de notícias sobre casos de assassinatos coletivos em jornais estrangeiros tampouco lhe beneficia.
Agora, diante da decisão da Corte Suprema sobre os quatro cidadãos autorizados a produzir maconha, pela primeira vez EPN se disse aberto para um debate sobre o assunto, aproveitando para trafegar numa mini-onda a favor do debate sobre o tema que vai formando-se em alguns setores da sociedade.
Uma voz respeitada que saiu a celebrar a decisão da corte foi a do ex-presidente Vicente Fox, que, assim como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, após deixar o cargo passou a dedicar-se a estudar formas de tratar do assunto das drogas ilegais.
“Acho que a legalização da marijuana é um primeiro passo inevitável”, disse Fox à agência Reuters. “Agora é irreversível”, e acrescentou que todas as drogas, incluindo cocaína, heroína e “crystal meth” devem ser legais no México em 10 anos.
Os ativistas alegam que novas alternativas ao combate ao narcotráfico vêm surgindo na região e nos próprios EUA, marcando uma tendência de guinada com relação ao tema, por isso a necessidade de o México também apresentar uma opção.
O exemplo do Uruguai, que em 2013 aprovou a lei da maconha e chega agora à fase em que começa a vende-la em farmácias seguramente influencia, ainda que todos os envolvidos no debate apontem para a singularidade do caso uruguaio: país pequeno, bem administrado e em que a taxa de confiança nas leis e nas instituições é da mais altas na região.
Mas países com realidades mais complexas também estão se abrindo para outras opções. É o caso da Colômbia, que liberou a maconha para uso medicinal e interrompeu bombardeios de veneno em campos de cultivo de coca, para baixar as taxas de câncer de camponeses afetados pela ação militar.
Os ativistas pela liberação da maconha no México -onde o uso pessoal não é criminalizado até 5 gramas, mas sim a produção e a venda- argumentam que a produção da droga no México garante a entrada de US$ 1.5 bilhão para os narcotraficantes, todos os anos, e que esse dinheiro os fortalece para suas outras atividades, entre elas a indústria das mortes.
Vale ficar de olho em como a situação se desenrola no México e no Uruguai nos próximos meses, pois podem indicar soluções também para os outros países da região.