Um papo com John Dinges, no dia do aniversário da Operação Condor

Sylvia Colombo
Os ditadores Augusto Pinochet, do Chile, e Jorge Rafael Videla, da Argentina (Foto Divulgação)
Os ditadores Augusto Pinochet, do Chile, e Jorge Rafael Videla, da Argentina (Foto Divulgação)

Num 25 de novembro como hoje, há 40 anos, ocorria uma sombria reunião em Santiago, capital do Chile. Convidados pelo chefe da polícia secreta chilena, Manuel Contreras (1929-2015), líderes dos serviços de inteligência militar de Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai assinaram o acordo fundacional da Operação Condor, com o objetivo de “trocar informações sobre ações subversivas” e criando “uma agência para proporcionar antecedentes de pessoas e organizações contra a subversão”. O Brasil entraria na aliança logo depois. Na prática, o Condor foi muito além da troca de informações, fazendo com que as Forças Armadas dos países envolvidos atuassem conjuntamente na perseguição contra aqueles que resistiam contra a ditadura, parte deles por meio da luta armada.

Conversei rapidamente com John Dinges, historiador norte-americano que se dedica a investigar o Condor há mais de 20 anos. Dinges é autor de “Os Anos do Condor”, lançado no Brasil pela Companhia das Letras.

Folha – O sr. testemunhou no julgamento da Operação Condor que está havendo na Argentina, e que em breve deve anunciar sentença a 18 repressores de diversos países que participaram da operação. Como vê esse processo, que é inédito até hoje por ir além das fronteiras argentinas?

John Dinges – Trata-se de uma investigação muito extensa e com evidências novas. Creio que além das condenações, é importante debruçar-se sobre a quantidade de documentos reunidos que podem ajudar a responder questões ainda em aberto sobre o Condor, e principalmente a conhecer mais nomes envolvidos na repressão dos anos 1970/80.

 

 

Folha – Em que aspectos da Operação Condor os documentos que conhecemos até hoje falam pouco?

Dinges – O mais importante com relação às investigações que se fazem em distintos países, pela Justiça e pelas comissões da verdade, creio que é levantar mais informação. Escrever a história do Condor antes que os que ainda vivem morram com as informações. Até agora, a documentação mais contundente sobre o Condor que se conhece veio de arquivos norte-americanos, e não é a que revela as coisas mais terríveis.

Folha – Cada país tem atuado de uma maneira, a Argentina abriu um amplo processo de investigação e punição aos repressores, o Chile agora começa, no Brasil tivemos a Comissão da Verdade, enquanto no Uruguai parece que se decidiu não julgar mais nada. Como vê essas diferenças de tratamento do assunto?

Dinges – Cada país se posiciona de uma maneira com relação ao próprio passado. Não quero opinar sobre se acho mais correto julgar todos os casos ou não. Isso cada país decide. O que acho importante é investigar tudo o que for possível, levantar o máximo de informação daqueles que ainda vivem e o máximo de documentos que ainda sejam desconhecidos.

O Chile está fazendo um esforço enorme recentemente, já sentenciou 200 pessoas, a Argentina muito mais. O Uruguai, um pouco, e o Brasil, quase nada. Mas reforço que, mais que uma política condenatória ampla, todos os países deveriam se esforçar para esclarecer o que houve e informar as gerações mais jovens. É a única maneira de evitar que um pesadelo desses se repita.

 

 

 

Folha – O Brasil não estava nessa reunião inicial, mas entrou logo depois, não?

Dinges – O Brasil tinha representante nessa reunião, sim, mas não assinou o acordo de fundação da Operação Condor. No ano seguinte, formalizou sua participação. Treinou forças, deixou que a Argentina perseguisse pessoas em território brasileiro, mas ainda não há evidência de que as Forças Armadas brasileiras atuaram em outros territórios. Mas, reforço, há ainda muito o que investigar.