Um Cervantes merecido a Fernando del Paso

Sylvia Colombo
O escritor mexicano Fernando Del Paso, ganhador do prêmio Cervantes (Foto El Universal)
O escritor mexicano Fernando Del Paso, ganhador do prêmio Cervantes (Foto El Universal)

Ninguém esperava muito mais de Fernando del Paso, 80, que ganhou hoje o Prêmio Cervantes, quando o escritor entrou num dos principais salões da Feira do Livro de Guadalajara, no ano passado.

Conscientes de que ele estava ali após vários infartos e acidentes cerebrais, três cânceres e sem poder andar, os presentes apenas se consideravam afortunados por ter naquele recinto o poeta, pintor, ex-diplomata e escritor que havia levado à sério a tarefa de mergulhar na história mexicana e traze-la, em detalhes, embalada em relatos de narrativa literária rebuscada.

Confesso que li apenas “Notícias de Um Império”, a fantástica e fatídica história do imperador Maximiliano de Habsburgo (1832-67), trazido para governar o México e que acabou fuzilado em Querétaro. No livro, de quase mil páginas, a trama surge contada pelo olhar da mulher, Carlota de Bélgica, e é uma viagem pelas tantas camadas que compõem a identidade mexicana. Apesar de ser sua obra mais conhecida, “Notícias” é apenas uma passagem em sua longa carreira literária, que transitou também pela literatura policial e pela poesia.

O autor, com o italiano Claudio Magris (Foto Divulgação)
O autor, com o italiano Claudio Magris (Foto Divulgação)

A tarde de que me recordo, porém, na capital de Jalisco, foi memorável também por mostrar um pouco da personalidade política irreverente de Del Paso. Tratava-se de uma homenagem a Octavio Paz (1914-1998) e o que se esperava do autor, além do ato de bravura de chegar até ali, em cadeira de rodas e sem conseguir falar direito, não era muito mais do que emitir algumas loas ao colega de geração.

Mas Del Paso preferiu um pouco de bom humor e a oportunidade de fazer uma crítica ao governo mexicano. Apareceu com uma camiseta que dizia “No Mames, Peña Nieto” (corta essa, Peña Nieto), e exigiu que os 43 estudantes desaparecidos em Ayotzinapa, em setembro de 2013, fossem encontrados: “Senhor presidente Enrique Peña Nieto, não se engane: Todos somos Ayotzinapa”.

E o que declarou depois me pareceu tão belo e trágico, que só um grande escritor poderia formular: “Quero dizer que, aos quase 80 anos, me dá muita pena aprender o nome dos povoados mexicanos, que nunca consegui aprender na escola e que ainda não conheço, apenas quando, neles, ocorre uma desgraça”. E começou a enumerar vários massacres recentes: Chenalhó, Ayotzinapa, Tlatlaya, Petaquillas. “Que lástima e que vergonha, apenas aprendemos esses nomes quando eles entram em nossa história banhados em sangue”.

Na manhã desta quinta-feira (12), o presidente Enrique Peña Nieto cumprimentou Del Paso por receber o mais importante prêmio das literatura em espanhol.