Não é piada
Nas últimas semanas, a façanha de Jimmy Morales, 46, girou o mundo. Pudera, a Guatemala, maior economia da América Central, em meio de um redemoinho político que incluiu até mesmo a saída de um presidente do cargo por corrupção, escolheu com uma votação contundente (67%) o comediante para colocar ordem na instabilidade que tomou conta do país desde maio deste ano. Foi aí que uma série de casos de corrupção, conhecida como “La Línea”, veio à tona e levou multidões às ruas.
A candidatura fulminante de Morales derrubou em poucas semanas a do herdeiro político de Otto Pérez Molina, Manuel Baldizón, e atropelou a candidatura que evocava a velha esquerda corrupta do país, a de Sandra Torres, ex-mulher do ex-presidente Álvaro Colom. Criador de um personagem que de caubói passava a ser presidente do país, do filme “Un Presidente de a Sombrero” (2007), Morales propagandeou-se como o único “não-político” entre os candidatos, e, portanto, mais habilitado para enfrentar a corrupção do que todos eles.
É alvissareiro que o país tenha dito “basta” à corrupção. Mas o primeiro desafio de Morales já surge agora, quando deve começar a montar sua equipe sem usar peças que já estavam no tabuleiro há muito tempo. Como representante do que apresentou como “não-política”, o presidente eleito precisa bolar um jeito de manter sua base de apoio, que é bastante tradicional e ligada justamente à antiga política, sem ter de entregar a ela cargos-chave.
Entenda-se, o partido que elevou Morales ao cargo é o Frente de Convergência Nacional, cuja fundação não é tão antiga (2008), mas cujos integrantes são velhos conhecidos dos guatemaltecos. São eles ex-militares aposentados, a maioria tendo atuado na Guerra Civil guatemalteca, conflito que durou de 1960 a 1996, causando a morte de mais de 200 mil pessoas. Alguns comandantes do Exército respondem ou estão condenados por crimes contra a humanidade, pelo assassinato de civis, a maioria indígenas maias do interior do país.
Com fama de firme e calculista, Morales disse que os ex-militares não terão participação estratégica no novo governo. Isso também dizia, porém, Otto Pérez Molina, justamente o presidente que foi afastado do cargo, em cuja gestão os ex-militares também participaram, brindaram apoio (o próprio Pérez Molina foi oficial durante o conflito) e estão apontados também nas denúncias de corrupção. Morales reafirmou que suas escolhas ministeriais serão puramente técnicas e que tampouco contemplariam representantes de outros partidos que estejam sendo investigados pela Justiça. Com quem Morales pretende contar, entretanto, não ficou claro.
Os guatemaltecos têm gostado do pulso firme do novo presidente, apesar de já circularem críticas da mídia e da oposição com relação às respostas evasivas que tem dado sobre temas centrais da economia e da reorganização institucional do país. De fato, uma de suas primeiras entrevistas, ao site Nomada.gt, reproduzida abaixo, Morales não deu muitas dicas de por onde pretende caminhar. Deixa uma impressão de alguém que usa extrema cautela, como quem sente que as ruas podem novamente se encher de manifestantes logo após seus primeiros tropeços. O desafio que Morales tem diante de si não é, definitivamente, nenhuma piada.