Novos tempos para a imprensa na Argentina?

Sylvia Colombo
O vice-governador de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, o candidato governista, Daniel Scioli, o opositor, Mauricio Macri, e o publisher Jorge Fontevecchia (Foto Perfil)
O vice-governador de Buenos Aires, Gabriel Mariotto, o candidato governista, Daniel Scioli, o opositor, Mauricio Macri, e o publisher Jorge Fontevecchia (Foto Perfil)

Um encontro inusitado na noite desta sexta-feira (23) gerou uma imagem que pode apontar a uma normalização da relação entre poder e meios na Argentina, além de indicar um futuro de menos conflito e disputa entre os próprios políticos. Pelo menos foi essa a impressão com que ficaram aqueles que presenciaram a festa de inauguração da nova Redação do jornal “Perfil”, no bairro portenho de Barracas.

Os três principais candidatos à eleição presidencial, cujo primeiro turno se disputa neste domingo (25) prestigiaram o evento. O mais surpreendente foi que o governista Daniel Scioli e o opositor Mauricio Macri se cumprimentaram, conversaram rapidamente e posaram para fotos. Não deveria ser uma surpresa se estivéssemos falando de algum país nórdico ou de qualquer democracia minimamente estável. Na Argentina, porém, onde o que impera é a ideia de conflito constante entre governo e oposição, a imagem sugere que o furioso “nós contra eles” que se enraizou nesses últimos 12 anos de kirchnerismo pode murchar, em nome de uma convivência mais democrática. É possível que essa seja uma interpretação demasiado otimista da imagem. Mas que é um bom sinal, é sim.

Também o fato de terem os três prestigiado a festa do Grupo Perfil é outro indicador positivo. Nos anos Cristina Kirchner, armou-se uma verdadeira guerra entre governo e meios independentes. Não apenas verbal, esse conflito resultou em leis para restringir o poder dos meios, desvio de verbas públicas para financiar veículos oficialistas e pressão junto a anunciantes para bloquear a publicidade que ajuda a sustentar os diários em papel. Esses e outros recursos fizeram com que os jornais que não se alinharam ideologicamente com o governo, como o “La Nación”, o “Clarín” e o próprio “Perfil”, enfrentassem várias dificuldades para se manter nos últimos anos.

Pelas declarações dos três principais postulantes ao cargo nos últimos meses, há uma sugestão de que essa situação vai mudar, e a pressão contra a mídia tende a arrefecer. Outra vez, posso estar sendo otimista, mas hoje é a sensação que se têm.

O Grupo Perfil, de forte presença no Brasil, publica revistas e um jornal homônimo, que só circula aos sábados e domingos. De postura crítica com relação ao kirchnerismo, trata-se de uma publicação equilibrada e que conta com um excelente time de colunistas, entre eles Beatriz Sarlo, Tomas Abraham, Violeta Gorodischer e o próprio Jorge Fontevecchia, que é proprietário e diretor do meio (o quarto, da esquerda para a direita, na foto acima).

A festa teve algumas passagens curiosas. Após a inauguração e o momento das fotos e cumprimentos entre os candidatos, houve eventos específicos de cada publicação, debates, desfiles e até uma simulação da eleição. Numa das salas, onde debatiam o presidente da Corte Suprema, Ricardo Lorenzetti, e o neurologista Facundo Manes, ajudavam a compor a audiência nada menos que alguns candidatos à Presidência, como Sergio Massa e Margarita Stolbizer, além doex-presidente Fernando De la Rúa. Do lado de fora da parede de vidro, as pessoas grudavam seus celulares para registrar outro encontro inusitado de forças distintas em convivência pacífica. Depois, houve uma pequena apresentação artística-patriótica. A cantora Valeria Lynch entoou o hino nacional, após a execução de “Não Chores por Mim, Argentina”, do musical Evita, com Sandra Guida.As novas instalações das publicações do Grupo Perfil são impressionantes. Uma imensa Redação integrada, circundada por telas que trazem TVs e sites internacionais em tempo real, estúdios de rádio e TV, salas de reunião espaçosas e lounge para os intervalos. A mudança para o endereço localizado em Barracas deu-se para integrar a Redação com a gráfica, que já funcionava no local. Da antiga sede, veio também o imenso pedaço do Muro de Berlim que decorava a entrada do antigo prédio, na região central da cidade.

A menos de 48 horas da eleição presidencial, um evento como o dessa noite foi mais um indício de que a Argentina pode entrar em tempos de mais normalidade nas relações entre governo e poder, além de melhor convivência entre aqueles que pensam diferente. Esperemos que essa ideia se confirme.