Documentário resgata infância, paisagens e polêmicas de Gabo
Nesta semana, os arquivos de Gabriel García Márquez (1927-2014) são abertos na Universidade do Texas, em Austin. Fiz uma reportagem sobre o assunto que saiu nesta segunda (19) na Ilustrada. Queria apenas chamar a atenção aqui ao documentário “Gabo – The Creation of Gabriel García Márquez”, que recentemente estreou na Espanha e no México, será exibido em Austin no evento desta semana, e fica aqui como uma excelente recomendação para os programadores de festivais do Brasil.
Nele, o cineasta Justin Webster compõe o primeiro retrato cinematográfico amplo de Gabo, com olhar de estrangeiro, mas guiado pelo excelente guia local Juan Gabriel Vázquez (“El Ruído de las Cosas al Caer”), um dos melhores escritores colombianos do momento. O documentário tem elementos clássicos do formato, como entrevistas com gente que o conheceu e imagens de época. Mas os escolhidos não ficam só no tom elogioso nem se repetem. Tocam em assuntos pontuais e complementares, portanto fazem com que a história do escritor flua muito bem. Estão entre eles os primeiros editores, gente que vive hoje nos locais onde Gabo cresceu, jornalistas com quem conviveu na Colômbia, o ex-presidente norte-americano Bill Clinton [fã e amigo do autor], o biógrafo britânico Gerald Martin, a editora espanhola Carmen Balcells, o jornalista Jon Lee Anderson e outros.
Conversei com Webster na última sexta (16) e ele me contou que o que mais o agradou foi filmar as paisagens dos locais marcantes da vida de Gabo e ver o cotidiano daqueles que vivem nessas cidades costeiras e ao longo do rio Magdalena. Além de Aracataca, Barranquilla, Bogotá e Cartagena, Webster chegou a Sucre, um povoado onde Gabo passou anos da infância, ainda bastante isolado e preservado como na época.
O documentário ganha tom mais crítico ao abordar a relação de Gabo com o ex-ditador Fidel Castro e a Revolução Cubana, de 1959. Mostra as nuances dessa relação. Apesar de entusiasmado com o regime de início, Gabo tem fricções e desacordos, principalmente na época em que trabalhava na agência Prensa Latina. Mais tarde, porém, nega-se a assinar documentos de grupos de escritores condenando as perseguições em Cuba, o que causa algumas rupturas dentro do grupo. Em sua defesa, Gabo dizia que preferia interceder pelos autores perseguidos diretamente junto a Fidel, em alguns casos com êxito, e noutros não. Uma rica pesquisa de entrevistas de época e imagens dos dois juntos ajuda a compor o quadro dessa relação, sem julga-la.
Outro momento mais polêmico de sua biografia é seu afastamento da Colômbia, por conta de ameaças e de posições que havia tomado com relação à violência _o país vivia seus dias mais sangrentos naqueles anos 80 e as soluções para o problema dividiam a sociedade. Declarações de Gabo a respeito e uma clara explicação do contexto ajudam a explicar sua decisão de fixar residência, de forma definitiva, no México, onde morreu em abril do ano passado.