Outra vez, Vargas Llosa coloca lenha na eleição do Peru
Desde que foi derrotado por Alberto Fujimori, na eleição peruana de 1990, o escritor Mario Vargas Llosa, 79, não se desconectou da política de seu país. Nos anos que se seguiram, o Nobel foi voz crítica da ditadura imposta pelo engenheiro de ascendência japonesa após o fechamento do Congresso, em 1992. Com o retorno da democracia, em 2001, Vargas Llosa seguiu opinando, às vezes de forma contraditória, mas sempre escolhendo seu candidato preferido. Agora, não está sendo diferente.
Primeiro, o autor de “Lituma nos Andes” apostou em Alejandro Toledo, que terminaria seu mandato em 2006 com um dos menores níveis de aprovação da história do Peru.
Em 2006, Vargas Llosa posicionou-se com vigor contra a candidatura de Ollanta Humala, então líder militar nacionalista de extrema-esquerda. Seu temor de que um populismo estilo chavista tomasse o Peru o fez preferir a vitória de Alan García, que de fato ocorreu. Tanto García como Toledo hoje respondem a processos relacionados a escândalos de corrupção.
Inconformado com a nova postulação de Humala em 2011, o escritor voltou a apoiar Toledo, como este foi eliminado no primeiro turno, Vargas Llosa teve de optar entre dois candidatos que não lhe agradavam nem um pouco.
De um lado, Keiko Fujimori, filha do ex-rival, do outro, Humala. Em suas palavras, era como ter de escolher “entre o câncer e a AIDS”. Mesmo assim, não quis abster-se, e deu seu voto de confiança a Humala depois que esse fez amplas promessas de que se posicionaria no centro do espectro político, adotaria políticas de mercado e não desse ouvidos a seus familiares, ainda bastante metidos numa militância extremista de esquerda.
Pois nas últimas semanas, Vargas Llosa voltou a mover a campanha eleitoral do Peru, que escolhe presidente daqui a seis meses, em abril de 2016. Em entrevistas realizadas no encontro da SIP, nos EUA, e à Folha, o escritor dessa vez elogiou Humala como “o melhor presidente da história do Peru” e lançou sua artilharia pesada contra Keiko Fujimori, que figura como grande favorita nas pesquisas até agora, com quase 40% das intenções de voto.
Vargas Llosa crê que o Peru vai bem porque, ao final, acabou optando pelo caminho que sua proposta derrotada em 1990 já acenava, a de um país aberto à economia de mercado, chamando muito investimento externo e crescendo a níveis recordes na América Latina.
“Os peruanos não vão voltar atrás e voltar a abraçar outra aventura populista, está claro que percebem a necessidade de continuar nesse caminho, não creio que essas pesquisas que colocam Keiko Fujimori adiante se concretizarão”, disse, otimista, em entrevista à Folha.
As dificuldades da gestão Humala em tornar a distribuição de renda mais igualitária e de baixar os altos níveis de pobreza, porém, podem sim abrir caminho à proposta, ao mesmo tempo populista e conservadora, do fujimorismo, e talvez expliquem a alta intenção de voto para a filha do ex-ditador, ainda conhecido e lembrado por muitos nas periferias dos centros urbanos e no interior do país como um salvador da pátria. Alguém que, com pulso firme, derrotou o Sendero Luminoso, ainda que os dias atuais tragam evidências de que a guerrilha segue ativa. Preso e doente, Fujimori, que foi julgado e condenado por crimes contra a humanidade, segue exercendo uma influência considerável no Congresso e na sociedade.
As declarações de Vargas Llosa, por sua vez, animaram a campanha. O tema surgiu no noticiário internacional, e internamente, o Nobel dividiu opiniões. Enquanto intelectuais e o eleitorado mais esclarecido tende a apoia-lo, a bancada fujimorista e muitos opositores de Humala veem o Nobel como um intrometido, alguém que já vive no exterior há tanto tempo (entre Espanha e EUA) e que não sabe mais avaliar os problemas do Peru.
Um deputado fujimorista, Hector Becerril, disse até que Vargas Llosa “tem um ódio visceral contra o fujimorismo, e vai levar isso até a tumba, mas apenas porque perdeu para Fujimori em 1990 e não aceita”.
Ao jornalista argentino Andrés Oppenheimer, Vargas Llosa disse que apoiaria na próxima eleição o ex-primeiro-ministro Pedro Pablo Kuczynski, distante da filha de Fujimori por mais vinte pontos (está com 16%). As outras opções são para o escritor impensáveis nesse momento: os ex-presidentes Alan García (que tem 8%) e Alejandro Toledo (5%), ambos respondendo por escândalos de corrupção.
A seis meses da eleição, as declarações de Vargas Llosa acenderam os ânimos e deram ao pleito uma projeção internacional, devido a sua fama e influência. Até lá, Humala (que não pode se reeleger) tem de torcer para que a situação econômica não se deteriore ainda mais e que possa melhorar um pouco sua perfomance _o presidente tem hoje apenas 17% de popularidade.
Abaixo, como curiosidade, trecho do debate final da eleição peruana de 1990, entre Vargas Llosa e Fujimori.