Colômbia lembra os 30 anos do “holocausto do Palácio da Justiça”

Sylvia Colombo
Reféns da ocupação do Palacio da Justiça da Colômbia, em 1985 (Foto: Arquivo)
Reféns da ocupação do Palacio da Justiça da Colômbia, em 1985 (Foto: Arquivo)

No próximo dia 6 de novembro, um triste capítulo da história da Colômbia faz aniversário, a tomada do Palácio da Justiça por guerrilheiros do movimento M-19, em 1985. Acompanhado minuto a minuto pela nação em choque, o crime terminou com a morte de mais de 100 pessoas, entre oficiais do Exército, civis que trabalhavam no edifício, guerrilheiros e nada menos do que 25 juízes da Suprema Corte do país.

A efeméride joga questões do presente ao passado. Este é um momento em que o governo tenta finalmente encerrar um conflito com outro grupo guerrilheiro (as Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e se encontra na obrigação de esclarecer tanto os crimes cometidos pela organização criminosa como os excessos das Forças Armadas. Também faz com que os colombianos reflitam sobre o que alcançaram até aqui desde então. Se naqueles anos 80 a Colômbia era um dos países com maior taxa de homicídios do Ocidente e ministros, juízes e presidentes tombavam mortos quase que semanalmente, hoje pode se orgulhar de ter atingido uma estabilidade democrática que a permite ter uma das economias mais preparadas para enfrentar as atuais dificuldades da região.

Tanques se preparam para recuperar o Palácio de Justiça (Foto Reprodução)
Tanques se preparam para recuperar o Palácio de Justiça (Foto Reprodução)

Mas as contas com o passado e a verdade não estão todas acertadas. E “Antes del Fuego”, de Laura Mora, filme que chega às telas por lá nesta semana, lembra como a tragédia mobilizou e afetou os colombianos naquela ocasião, assim como aponta para o que jamais foi respondido. Ainda há vítimas desaparecidas, e passagens mal explicadas sobre a ação do Exército e sobre as horas e razões das mortes das vítimas.

Eu já tinha gostado muito do modo como o caso foi retratado na série “Escobar, el Patrón del Mal”, sucesso da Caracol TV [e disponível aqui pela Netflix] que virou febre em outros países da região há um par de anos. A cena havia sido dirigida pela própria Laura, com a dose certa de suspense e drama. Já o filme reforça essa ideia de que, apesar de julgamentos, comissões da verdade e indultos, ainda não se sabe tudo o que aconteceu e, desta forma, é impossível que o país fique em paz com sua memória histórica.

A história é contada do ponto de vista de um advogado, Arturo Mendoza (Luis Fernando Hoyos), e da filha de uma das funcionárias da cafeteria do palácio, Milena Bedoya (Mónica Lopera). Não por acaso, estão entre os que trabalhavam nesse estabelecimento, onde começou a ação da guerrilha naquele dia, a maioria dos que jamais reapareceram.

O movimento M-19 surgiu nos anos 70, inspirado por outros grupos latino-americanos, como os montoneros (Argentina) e os tupamaros (Uruguai). Sua ideologia está baseada numa mescla de nacionalismo e socialismo, apesar de envolvido em outras ações violentas, nada foi tão sangrento e terrível como o episódio que agora completa três décadas.

Naquela manhã de 6 de novembro, o grupo invadiu o Palácio da Justiça, na principal praça de Bogotá, com a intenção declarada de realizar um “julgamento” do então presidente, Belisário Betancour. Uma das intenções principais, porém, era a de destruir documentos relacionados a processos e investigações das ações da guerrilha. Aí, especula-se que o narcotráfico teria uma participação. Assustados com a possibilidade de serem extraditados para serem julgados nos EUA, os líderes do cartel de Medellín teriam ajudado financeiramente o M-19, para que destruíssem evidências contra eles.

Havia mais de 300 pessoas no edifício no momento de sua ocupação, e o que se seguiu foram horas e horas de pânico. O governo tentou o diálogo, mas pediu que os seqüestradores se rendessem. Após a negativa, o Exército começou a movimentar-se para atacar o prédio. Enquanto isso, um incêndio destruiu de fato muitos documentos armazenados ali, e também parte do palácio. Tanques e tropas entraram, então, pelas entradas principais, apenas para encontrar, lá dentro, dezenas de cadáveres já carbonizados. No enfrentamento, morreram oficiais do Exército e guerrilheiros. As imagens televisionadas da ação jamais sairíam da memória dos colombianos.

O atual prefeito de Bogotá e ex-M-19, Gustavo Petro (Foto Semana)
O atual prefeito de Bogotá e ex-M-19, Gustavo Petro (Foto Semana)

Segunda maior guerrilha da Colômbia nos anos 80, o M-19 se desmobilizaria na década seguinte e receberia indultos e a possibilidade de entrar na política por meio de um partido. Curiosamente, hoje seu principal referente político é Gustavo Petro, o atual prefeito da cidade de Bogotá, que governa a poucos metros do cenário sangrento dos eventos. Nas eleições de 2014, Petro foi de importante ajuda para o atual presidente Juan Manuel Santos, que só venceu seu opositor, o uribista Óscar Iván Zuluaga, por uma margem apertada. Graças a Petro, foi possível convencer distintas forças de centro e esquerda a respaldar Santos.

Apesar da gestão conturbada, que incluiu um afastamento do cargo, Petro, que deixa o cargo de prefeito neste ano, se fortalece como candidato presidencial da esquerda para as eleições de 2018. Mais do que nunca, o aniversário de 30 anos do chamado Holocausto do Palácio de Justiça segue vivo.