Os Puccio, clã do horror que revive em filme, série e livro

Sylvia Colombo
O líder dos Puccio, preso em Buenos Aires (Foto Clarín)
O líder dos Puccio, preso em Buenos Aires (Foto Clarín)

Um dos casos criminais mais famosos da Argentina ressurge agora, três décadas depois de ocorrido, transportando o clima de suspense e terror vivido pelos portenhos naquela época para um filme, uma minissérie de TV e um livro. São as sangrentas brutalidades cometidas pelo chamado “clã Puccio”, uma quadrilha familiar responsável pela morte de três pessoas e o sequestro de uma quarta. A novela real que aterrorizou os moradores do bairro nobre de San Isidro, em Buenos Aires, durante o fim da ditadura (1976-83) e início do governo democrático de Raúl Alfonsín está no livro “El Clan Puccio” (ed. Planeta, importado), de Rodolfo Palacios, e na série televisiva “História de un Clan”, protagonizada por Alejandro Awada, Cecilia Roth e o “Chino” Darín, filho do ator Ricardo Darín.

Mas o que projetará o caso fora da Argentina será mesmo o filme dirigido por Pablo Trapero (“El Bonaerense”, “Leonera”), que estará na competição oficial do próximo festival de Veneza, a partir de 2 de setembro [será o único filme latino-americano na disputa]. Pude conversar com o diretor num par de ocasiões, quando ele ainda estava filmando “El Clan”, que acaba de estrear em Buenos Aires. Sua ideia era mostrar como um tipo específico de sequestro, usado com fins políticos na ditadura, acabou sendo transformado em negócio por alguns. No caso dos Puccio, apesar de o chefe da quadrilha ter tido vínculo com a temida Triple A [grupo paramilitar que atuou sob o governo de Perón, nos anos 70], os crimes cometidos tinham como único objetivo o lucro gerado pelas resgates pedidos pelos sequestros.

Para seus vizinhos, Arquimedes Puccio (vivido na tela por Guillermo Francella) era apenas um morador calado e meio esquisito do bairro de San Isidro, que com a família ia a missa aos domingos e era cordial com todos. Conhecido como “o louco da vassoura”, por varrer a calçada diante de sua casa repetidamente e em horários pouco habituais, o contador e advogado era o líder de um bando de sequestradores, que incluía amigos e dois de seus filhos. Um deles, Alejandro, era um popular jogador de rúgbi, então com a carreira em ascensão e popular no local. O grupo escolhia suas vítimas entre moradores do bairro. Abordava seus carros e, como eram conhecidos, não tinham dificuldades para subir neles, alegando precisar de carona.

A primeira vítima foi Ricardo Manoukian, um jovem de 23 anos que, em julho de 1982, foi sequestrado quando ia de carro ao trabalho. A família, assustada, pagou o resgate de US$ 250.000. Mesmo assim, Arquimedes ordenou a morte do rapaz, executado com três tiros na cabeça e abandonado num local fora da cidade. O segundo foi Eduardo Aulet, que jogava rúgbi no mesmo time que Alejandro, o Club Atlético San Isidro. Levado em maio de 1983, também foi morto, mesmo depois de a família ter pago US$ 150.000 na esperança de reve-lo com vida. Seu corpo só seria encontrado quatro anos depois. No ano seguinte, os Puccio tentaram também sequestrar o empresário Emilio Naum mas, como este resistiu, levou um tiro no meio da rua, morrendo ali mesmo. A última vítima, Nélida Bollini de Prado, foi a única a escapar com vida, resgatada, enfim, pela polícia.

 

 

 

 

O que causa especial surpresa no caso é que o cativeiro das vítimas dos Puccio ficava dentro da própria casa deles. O trailer que anuncia o filme dá o tom macabro de toda a trama. Arquimedes chama docemente os filhos para jantar, trata a mulher de forma carinhosa, e por fim abre a porta do banheiro, onde está um prisioneiro, amarrado com uma corrente ao cano do chuveiro. Para a família criminosa, as coisas não terminaram bem. Alejandro tentou se matar, foi condenado, e morreu em 2008. Arquimedes ficou 23 anos preso, foi solto, refugiou-se na casa de um pastor e morreu aos 84. Não se sabe se a esposa sabia das atividades dos homens da família, e a filha morreu de câncer alguns anos depois. Arquimedes jamais revelou detalhes de nenhuma das operações nem admitiu sua culpa. Em sua última entrevista, disse que levaria seus segredos para a tumba. De fato o fez.

O caso Puccio sempre intrigou a todos pelas perguntas que deixou no ar sobre os medos, paranoias e impulsos violentos daquela sociedade saída dos anos de chumbo. Ainda que visasse o lucro, jamais se entendeu bem como uma família que parecia pacata pudesse ser capaz de ações tão violentas apenas por dinheiro. Tinham uma boa casa, não passavam por dificuldades financeiras e um dos filhos era um ídolo do esporte local. A ideia de que tudo tenha sido um delírio movido por pura crueldade assalta a todos os que visitam o endereço que ficou maldito em Buenos Aires: a esquina das ruas Martín e Omar, no bairro de San Isidro. Ali, os vizinhos dos Puccio se deram conta, com horror, de que o “louco da vassoura”, na verdade, não era um obsessivo da limpeza, mas sim um terrível assassino que vigiava a rua dia e noite, tentando evitar que alguém se desse conta de que, dentro de sua casa, prisioneiros esperavam a hora da morte.