Um mês depois, fuga do Chapo tem impacto na política do México e dos EUA

Sylvia Colombo
Manifestante carrega faixa em manifestação pró-Chapo, em Sinaloa (Foto AP)
Manifestante carrega faixa em manifestação pró-Chapo, em Sinaloa, em 2014 (Foto AP)

Um mês depois, a fuga do traficante Joaquín “Chapo” Guzmán de uma prisão de segurança máxima no México ainda repercute. O paradeiro do líder do cartel de Sinaloa ainda é completamente desconhecido, mas o episódio vem colaborando para desgastar um pouco mais a imagem de Enrique Peña Nieto. Após o desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa, a fuga do Chapo e a sequência de jornalistas mortos na cobertura da guerra ao narcotráfico (nesta semana, foi a vez do fotógrafo Ruben Espinosa, que comoveu o país) a ideia de que o presidente não tem controle algum da segurança nacional se estabeleceu entre os mexicanos. Sua aprovação segue em queda, e as pessoas voltaram a povoar as ruas em manifestações em várias cidades do país.

De modo geral, a população rejeita a violência em todas as suas formas, mas não deixa de existir quem prefira apoiar a Justiça pelas próprias mãos (como os movimentos de “autodefensa” e as “polícias comunitárias”, no interior) ou, simplesmente, aqueles que decidem heroicizar e idolatrar os chefões do crime, que parecem mais eficientes que o governo.

A perigosa glamourização da bandidagem atinge níveis altíssimos em Sinaloa, terra-natal e quartel-general do cartel do Chapo. Ali, desde o dia de sua prisão, tem havido passeatas e protestos contra a perseguição ao personagem. Viraram febre nas redes as imagens de meninas com o cartaz acima, que diz: “Chapo, faça em mim um filho”, tomadas no ano passado, quando o líder foi preso em Mazatlán. Enquanto o problema segue sem solução, o mito em torno do chefão só aumenta, e com isso a confusão sobre o problema de um modo geral.

O livro “The Last Narco”, do jornalista norte-americano Malcolm Beith, lançado em 2010, ajuda a construir um retrato do bandido e da sociedade que o produziu. Li com atraso, e conversei com Beith nesta semana. No papo abaixo, falamos sobre isso e sobre o impacto da nova fuga do Chapo na próxima eleição norte-americana.

Capa de "The Last Narco", de Malcolm Beith
Capa de “The Last Narco”, de Malcolm Beith

 

Folha – Você se surpreendeu com a fuga do Chapo?

Malcolm Beith – Sim, eu me surpreendi, e me senti mal. Realmente pensei que, desta vez, as autoridades o manteriam detrás das grades. Achei que usariam todos os recursos para mantê-lo ali.

Folha – Quais acredita que são os principais ingredientes que ajudaram a construir a mitologia ao redor dele?

Beith – A primeira fuga, em 2001, realmente ajudou a construir essa mitologia. De repente ele virou um símbolo nacional. Outros relatos sobre como ele costuma negociar, o modo como lida com subordinados quando falham, falam muito sobre seu caráter. Sabemos que é um homem com grande capacidade de calcular movimentos, mas que é muito violento quando se confronta com os inimigos.

Folha – Quão difícil é chegar perto do Chapo?

Beith – Dificílimo. Apesar de muitas tentativas, não cheguei nem perto. Entrevistei um homem que o conhecia, em Badiraguato, e muitos locais, de Sinaloa, que conhecem suas histórias. Acredito nos que me disseram que o conhecem, porque em Sinaloa é muito difícil que alguém diga isso sem o conhecer, é perigoso. É uma parte do mundo em que, em geral, as pessoas têm medo de mentir sobre o Chapo. Minha conclusão é que definitivamente ele tem um lado muito calculista, muito sério. E ele gosta do poder, muito. Mas não tenho certeza sobre o que o move, não sei se ele é o produto de uma indústria da qual é difícil sair ou simplesmente desistir ou se ele realmente pode controlar seu destino e o comando de sua organização.

Folha – Ele leu seu livro? Quão preocupado é com o modo como se fala dele na imprensa?

Beith – Creio que não se preocupa com a imagem dele que a mídia veicula, mas sim quando dão detalhes de suas atividades e paradeiro. Nesse caso, ele é muito perigoso.

Folha – O que você acha que ele pode fazer agora?

Beith – Creio que tem duas opções, retirar-se nas montanhas e torcer para não ser encontrado, ou tentar retomar o comando do cartel de Sinaloa.

Folha – Acha que essa fuga pode influenciar nas próximas eleições norte-americanas? O pré-candidato republicano Donald Trump já a usa como argumento para propor políticas mais restritivas de imigração.

Beith – Donald Trump tem de ser mais cuidadoso no modo como fala dos mexicanos. Não ajuda a ninguém que ele diga que os mexicanos são o problema. Passei muito tempo falando sobre esse assunto depois de ter escrito o livro, repetidamente dizendo a muitos norte-americanos que 99% dos mexicanos nos EUA não usam drogas, muito menos vendendo-as ou matando gente. Sim, há gangues que vendem drogas nos EUA, mas isso não significa que a maioria dos mexicanos não seja trabalhaora, honesta. São pessoas decentes que contribuem para a sociedade.

A guerra do narcotráfico terá um papel importante na eleição norte-americana porque é amplamente considerada como um tema de segurança nacional e de saúde. A DEA (Drug Enforcement Administration) é uma agência muito poderosa e de orçamento bastante grande, e não há dúvida de que fará lobby para continuar a guerra contra as drogas do jeito que ela é hoje.

Alguns norte-americanos continuam sendo muito contra as drogas, contra a legalização, e vão definitivamente considerar o influxo de drogas como um problema de segurança nacional. Eu pessoalmente acredito que temos de atacar o consumo das drogas e os motivos pelas quais as pessoas as consomem antes de apontar o dedo contra o México. Simplesmente porque, se não for o México quem as produza, alguém mais o fará.