Novo cinema expõe avanços e dilemas da Colômbia

Sylvia Colombo

Em pouco mais de uma semana, pude assistir, aqui em Paris, a dois dos filmes que estão capitaneando uma nova onda do cinema colombiano, premiado em festivais e incensado pela crítica internacional. Além de trazerem o vigor de uma nova geração de diretores e atores, essas produções vêm inovando do ponto de vista da estrutura narrativa e da formação dos elencos _muitos usando não-atores. São histórias que dão cara, voz e corpos às manchetes dos noticiários que tratam da violência do narcotráfico, das negociações de paz entre governo e guerrilha e da particular política local.

O novo embalo dessa cinematografia começou na época do lançamento de “Maria Cheia de Graça” (2004), premiada em Berlin. Se até 2002 a Colômbia só havia feito 250 filmes em sua história, apenas nos últimos 12 anos lançaram-se quase 200. Uma nova legislação, que promoveu a criação de um fundo baseado em arrecadação de bilheteria, potencializou a indústria, animada também pela boa performance econômica do país na última década.

Conta aí, ainda, uma certa onda de otimismo dos colombianos com o país, com a possibilidade entrevista do fim do confronto com a guerrilha, desde que se iniciaram as negociações com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), há dois anos.

Esse otimismo vai desde o futebol _a seleção colombiana foi um dos destaques da Copa de 2014_ até as telas dos cinemas populares e de bairro. Bogotá, a cidade mais cosmopolita culturalmente do país, recentemente abriu cineclubes (como o fantástico Tonalá) e hoje exibe produções do mundo inteiro.

Mas vamos aos filmes. O primeiro que vi e de que mais gostei foi “Manos Sucias”, apadrinhado por Spike Lee e premiado no festival de Tribeca. Conta a saga de dois transportadores contratados para levar um pacote de cocaína desde o porto de Buenaventura, na costa do Pacífico, até o Panamá. Um deles (Jacob) é experiente, sabe improvisar, sair vivo do confronto com paramilitares ou com o Exército, mas carrega a culpa e o olhar triste de quem teve um filho pequeno assassinado pelos “paras”. O outro (Delio), é jovem, e começa o filme sem saber muito no que está se metendo e crê que a tarefa não deve ser assim tão complicada. É rapper, ouve música, dança “choque” (popular baile da costa colombiana) e acaba de ter um filho.

Cartaz de "Manos Sucias" (Foto: Divulgação)
Cartaz de “Manos Sucias” (Foto: Divulgação)

Em tom de acelerado thriller, o filme mostra como os dois parceiros veem-se abandonados em pleno oceano com a obrigação de sobreviver e esguiar-se de inimigos e patrulhas. Aqui e ali, referem-se à vida em Bogotá, que surge como local antagônico, frio, elitizado, branco, oposto da costa calorosa em que vivem, mas também como de distante esperança.

A presença intensa dos paramilitares _arma lançada pelo governo colombiano nos anos 90/00 para aniquilar os grandes cartéis_ mostra que, hoje, muitos deles dedicam-se eles próprios ao narcotráfico e são a principal ameaça contra as populações que teoricamente deveriam proteger. A relação que se constrói entre os dois rapazes, que de início não se bicam, é dúbia. Não há nenhum tipo de glamurização da bandidagem, também muito pouco de esperança. Jacob e Delio sabem que não há esperança de vida normal fora do mundo da violência. E que, hoje, é impossível viver ali sem ter as “manos sucias” (mãos sujas”.

O outro filme de que gostei muito foi “Los Hongos”, do jovem diretor Óscar Ruiz Navia. A história se passa em Cali, a capital do Vale do Cauca e terceira maior cidade do país. Próxima da costa do Pacífico, sua população é mais miscigenada, com grande presença de afro-descendentes. Distingue-se de Bogotá também pelas altas temperaturas.

Ali, seguimos dois amigos, Calvin e Ras. O primeiro é um estudante de belas artes de classe média, que cuida da avó que está com câncer. O segundo vem da costa, é bem mais pobre e com poucas alternativas. Ambos saem pela cidade fazendo grafiti, e misturando-se ao submundo da cidade. Muitas das ações ocorrem em concertos de rock em locais improvisados, construções na qual se roubam tintas. Participam da película coletivos que fazem seu trabalho escondidos da polícia.

Ao fundo, ouve-se o ex-presidente Álvaro Uribe discursar na TV. Nas ruas, é momento de eleição, e políticos e pastores evangélicos disputam as atenções populares.

Numa atmosfera quase fantástica, “Los Hongos” oferece um retrato dos sonhos juvenis e do universo adolescente das grandes cidades do país.

É curioso o fenômeno de Cali, também chamada de Caliwood, por conta do “boom” cinematográfico. As melhores películas dessa nova fase do cinema colombiano vêm daí, e não da capital, Bogotá, ou de Medellín, a segunda cidade mais importante e que, nos anos 90, produziu filmes muito interessantes na fase pós-Pablo Escobar, quando a cidade se levantava dos anos mais duros da violência.

Além de “Los Hongos”, vem de Cali também “La Tierra y la Sombra”, que foi premiado neste ano em Cannes. Nele, o diretor Cesar Acevedo conta a história de uma família de “desplazados”, pessoas que têm de sair de suas casas, abandonar seus pertences e propriedades, e mudar-se de cidade por conta da violência. A Colômbia tem uma população de mais de 5 milhões de “desplazados”, é um dos recordistas, no mundo, dessa forma de exílio interno e forçado de parte considerável de sua população (o país tem 48 milhões de habitantes).