Os tempos do cólera, mas sem amor

Sylvia Colombo
Os autores Alejandra Inzunza, José Luis Pardo e Pablo Ferri (Foto: Divulgação)
Os autores Alejandra Inzunza, José Luis Pardo e Pablo Ferri (Foto: Divulgação)

No começo, era apenas a ideia de uma viagem pela América Latina. Sem tema definido, os jovens jornalistas mexicanos e espanhóis Alejandra Inzunza, 29, José Luis Pardo, 30, e Pablo Ferri, 30, decidiram comprar um Volkswagen usado, sair da Cidade do México e percorrer o continente, fazendo matérias para distintos meios, dependendo do que surgisse. Não pensavam que poderia haver um tema tão comum a todos os países que visitaram. Com o passar das semanas, porém, ficou claro que o continente compartilha um pesadelo, rotas milionárias de narcotráfico e sociedades que, na maioria das vezes, não discutem soluções eficazes para o assunto. O resultado acabou sendo não um conjunto de matérias, mas um livro, “Narco América”, lançado pela Tusquets, e sucesso no mercado de não-ficção do continente. No prefácio, alguém que já chamou a atenção para o assunto (Em “ZeroZeroZero”, Companhia das Letras), o escritor italiano Roberto Saviano, escreve:

“A América Latina despertou. As novas gerações de narradores não querem contar o amor nos tempos do cólera, não podem permitir porque não existe mais amor para contar, mas sim devastação, cinismo e pobreza. Aquela pobreza que te põe a disposição do que mais oferece e que de forma muito comum é a pior das alternativas. As novas gerações de escritores querem contar só a cólera. A cólera sem amor algum.”

O sucesso da empreitada foi tanto que o grupo formou um coletivo, os Dromómanos, e planejam sequências para o projeto. Encontro com Pablo Ferri na Cidade do México, para onde resolveu mudar-se após a viagem. “Acho que a imprensa não vem contando bem a história. Quando mais encaixamos o problema nos estereótipos que há sobre os cartéis, mais o afastamos do quanto está presente na sociedade”, diz.

A viagem narrada numa prosa de não-ficção de envolvente estilo percorreu 55 mi quilômetros, passando pela América Central, os Andes e Nova York, incluindo aí Brasil, Argentina e sul do Chile. Seguindo o rumo da cocaína, os três acabaram dando-se conta de que a heroína é que está em alta no momento. O consumo da droga nos EUA vem aumentando a passo rápido, fazendo surgir mais e mais plantações de papoula e laboratórios ao sul do continente. Entre os entrevistados, estão criminosos, advogados, camponeses, vítimas, “desplazados” e policiais.

“Narcoamérica” é também fruto de uma rica produção de não-ficção realizada no México, principalmente, em que jovens jornalistas viajam ao local dos fatos para retratar a dinâmica das rotas de imigração, como o salvadorenho Óscar Martinez, ou o inesgotável tema das drogas, como Alfredo Corchado em “Medianoche en México”. Os tempos de identificar o continente com a fantasia de um exagerado estereótipo de “realismo mágico” se acabaram, e uma nova geração de autores vêm mostrando como a realidade nua e crua não anda nada maravilhosa.

Capa de "Narcoamérica"
Capa de “Narcoamérica”