Vallejo avisou, o pesadelo colombiano está longe de acabar
O escritor colombiano Fernando Vallejo, 72, já escreveu contra a Colômbia, a Igreja, Gabriel García Márquez e até contra a própria mãe (no livro “El Desbarrancadero”). Sua particular, crítica e agressiva visão de mundo coloca nos colombianos a culpa pelos mais de 50 anos de guerra civil que vive o país, e na religião católica a responsabilidade pela resignação da sociedade frente à pobreza, a corrupção e os desmandos dos políticos. Sua narrativa ácida e inteligente produziu alguns dos melhores livros latino-americanos das últimas décadas, como “A Virgem dos Sicários” (lançado no Brasil pela Companhia das Letras). Quando abre a boca para criticar a Colômbia, causa reação imediata, contra e a favor. A garantia é de que sua voz é sempre ouvida e dificilmente sua observação está completamente fora de lugar.
Prova disso é o violento ataque verbal que Vallejo fez, há pouco mais de uma semana, ao presidente Juan Manuel Santos e ao processo de paz contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A fala do autor ocorreu no teatro Jorge Eliécer Gaitán de Bogotá, dentro do “Congresso Mundial de Arte e Cultura para a Paz na Colômbia”. Chamou a negociação de farsa, e Santos de “predicador da guerra” disfarçado de “predicador da paz”. O discurso repercutiu na imprensa colombiana e revoltou também porta-vozes da própria guerrilha.
O desenrolar dos fatos, porém, faz pensar que as palavras de Vallejo foram, no mínimo, visionárias. No começo desta semana, um ataque ao Exército por parte da guerrilha causou a morte de 11 soldados, fez com que o governo encerrasse o cessar-fogo e pôs em risco todo o trabalho de negociação dos últimos dois anos. Para os colombianos, fica o gosto amargo de dar-se conta de que o conflito pode retomar força. Abaixo, o vídeo do discurso de Vallejo e a tradução dos principais trechos.
“A ruína da Colômbia é incomensurável: econômica, social, cultural, moral, total. Milhões de exilados, milhões de ‘desplazados’, milhões de desocupados, um sistema financeiro de estafadores, um Congresso de corruptos, um poder judicial corrupto, o campo em ruínas, o peso [moeda nacional] em queda, a imprensa de joelhos, as cidades nas mãos de cartéis, a insegurança em toda parte, e como última razão e causa de todos os nossos problemas, a desaparição do Estado. Sem cumprir sua função essencial de garantir a vida e os bens de todos só existe para atropelar e travar, além de nos atracar com os impostos.”
“Para tapar a realidade monstruosa com cortinas de fumaça que não deixem ver o que acontece, o sem-vergonha deu para armar em Cuba um tal de ‘processo de paz’, com a gangue mais daninha e criminosa que a Colômbia já conheceu, os bandoleiros das Farc. Traidor nato, o sem-vergonha de quem estou falando chama-se Juan Manuel Santos.”
“Abençoada pelos Castro, a mesa de negociações de Havana já ocorre há dois longos anos. E como negociam? No escuro, ainda que o sem-vergonha nos faça acreditar que é à luz do dia. E o que negociam? A repartição de cargos públicos e contratos.”
“Há cinco anos, uma semana antes das eleições que o elegeram o manipulador de marionetes repetia que Álvaro Uribe era o maior presidente da história da Colômbia. Nem bem foi eleito e o maior presidente da História da Colômbia e seu protetor lhe deu uma boa patada no traseiro. Até tive vontade de rir.”
“Quando terminar o processo de paz, Timochenko [líder das Farc] vai ser prefeito de Bogotá? Não, irá para a Presidência. para a prefeitura vai Iván Márquez [negociador e porta-voz das Farc], competindo com os pacifistas Mockus e Petrus.”
“E a reparação satisfatória para as vítimas, como será? Se alcança? Sem problemas. Virá Cristo e devolverá a visão, a audição e a vida dos afetados. E se não vier? Claro que vai vir. Então para que somos um país católico?”.
“Colombianos: matem, roubem, violem, sequestrem, que o antigo conceito de delito aqui desapareceu. Somos uma potência emergente, somos a revolução jurídica, somos a vanguarda do planeta.”