O fator Máximo

Sylvia Colombo
Máximo Kirchner, filho de Néstor e Cristina (Foto: Clarín)
Máximo Kirchner, filho de Néstor e Cristina (Foto: Clarín)

Durante a maior parte desses doze anos de kirchnerismo, duvidou-se até mesmo que Máximo Kirchner pudesse falar. O primogênito de Néstor e Cristina surgia nos atos públicos calado, sempre perto dos pais, com seu aspecto desalinhado e look adolescente, ainda que já tivesse mais de 30 anos _hoje tem 38. Sobre ele, contavam-se coisas vagas, algumas certas, outras algo especulativas, e muitos lugares-comuns.

Que pouco havia saído da província gelada de Santa Cruz, onde cresceu. Que jamais tivera um emprego de verdade _estudou jornalismo e direito, mas não se formou em nenhum dos dois. Que não passava de um administrador dos negócios imobiliários dos pais ou que era o articulador de um grande esquema de lavagem de dinheiro que passava pelos hotéis da família na região. Que era viciado em Play Station. Que mandava e desmandava na agrupação La Cámpora, da qual foi o líder e é o principal mentor. Que era ele, e não Cristina, na verdade, quem lia obsessivamente todos os jornais, conhecia cada jornalista opositor e suas opiniões, e mandava e desmandava no governo.

Poucos conheciam sua voz até que o filme “Néstor, la Película” (abaixo), de 2012, mostrou que pelo menos uma das coisas que se diziam dele era falsa. Sim, Máximo fala, tem um pensamento articulado e uma fixação carinhosa, mas algo obsessiva pelos pais, a quem chama, na terceira pessoa, de Néstor e Cristina. Depois disso, porém, o silêncio voltou a cobrir seu personagem. E o que era mito e o que era verdade continuou misterioso.

A poucos meses de uma eleição que pode definir o fim do kirchnerismo ou sua transmutação em outro tipo de força política, as opções de Cristina Kirchner vão se esvaindo. Primeiro, a presidente, que não pode concorrer a um terceiro mandato, parecia conformada em apoiar ao governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli. Apesar de não ser seu preferido e de representar uma facção do peronismo mais à direita que ela, a presidente estava resignada a premiar essa mistura de perseverança e lealdade que Scioli, que foi vice de Néstor, sempre manteve. Além do que, ao longo dos últimos tempos, Scioli tornara-se uma força política com voo próprio, muito popular na província de Buenos Aires, que responde a 40% dos votos de toda a Argentina.

O caso é que Scioli não decola, e não supera a faixa dos 22/25% das intenções de voto, enquanto, aproveitando a maré negativa para o kirchnerismo das repercussões do caso Nisman, a principal opção anti-governo, o prefeito Mauricio Macri, começa a crescer. Cristina, então, passou a olhar dentro de seu próprio grupo de confiança, e alguns nomes começaram a pipocar como potenciais candidatos, entre eles o ministro da economia, Axel Kicillof, e o dos Transportes, Florencio Randazzo.

Como ambos também não demonstram tanto fôlego como parece ser necessário, de repente, começamos a ouvir o nome de Máximo Kirchner. Ninguém até aqui, nem ele, nem a mãe, falou em candidatura presidencial, mas é evidente que sua figura está sendo testada. Algumas aparições públicas, algumas declarações mais agressivas dele, entrevistas em que explica sua visão do país. Parece um balão de ensaio. As acusações de que manteria contas irregulares fora do país acabaram servindo para virar o jogo a seu favor. Ao sair para negá-las, Máximo o fez com tanta firmeza e com uma argumentação tão convincente _embora conspirativa e paranóica, como é comum no kirchnerismo_ que o jogo tornou-se favorável para ele.

A primeira das aparições que parecem ser um teste de seu carisma político deu-se no estádio do Argentino Juniors, ainda no ano passado. Num discurso de meia hora, mostrando-se algo nervoso ao não calcular bem os momentos de pausa para esperar os aplausos efusivos do público, Máximo arremeteu contra Macri, contra os apoiadores da direita que alinhou imediatamente com os que deram suporte ao regime militar (1976-1983), elogiou o exército de filhos de desaparecidos do La Cámpora hoje diretores e responsáveis de estatais e contou anedotas familiares que colocam os Kirchner como a representação da corajosa inocência argentina diante da ganância dos imperialistas. Nascia ali, sem dúvida, uma versão repaginada do velho populismo peronista.

Mas o que mais impressionou foi a entrevista que Máximo concedeu a Victor Hugo Morales. Este, para quem não sabe, é um jornalista uruguaio radicado na Argentina há muitos anos e muito favorável ao governo. Sua entrevista não foi nada provocativa e deu espaço para que Máximo se exibisse. E ele o fez como um político muito mais experiente do que de fato é. Discorreu sobre o funcionamento do governo, sobre o comportamento da oposição, sobre o que considera avanços da atual gestão que não deveriam ser entregues, agora, a outros. E deixou algumas frases midiáticas para serem repetidas no dia seguinte: “Passei de ser um jogador de Playstation a ser um atirador de fogo”, ou “por que não saem reportagens investigativas na imprensa sobre Macri ou Massa como saem sobre os Kirchner?”.

Seu desempenho foi tão destacado que, no dia seguinte, meios e lideranças kirchneristas se apressaram em aponta-lo como a solução para a sobrevivência do kirchnerismo. Oficialmente, não se disse nada e parece que Cristina quer isso mesmo, causar confusão, testar possibilidades e só decidir no último minuto. Pode ser que a ideia de te-lo como candidato presidencial seja mesmo um tanto arriscada _Máximo nunca ocupou nenhum cargo. Há quem defenda que saia como candidato a deputado, agora, e assim possa ser o líder de uma reorganização kirchnerista com vistas à eleição seguinte.

O certo é que Scioli já não está tão seguro de que terá o apoio do kirchnerismo em bloco. Macri, como sempre, é titubeante na hora de bater de frente no governo federal, além de não conseguir fazer sua candidatura crescer nas províncias. O radicalismo ainda não definiu sua cara para a eleição e, apesar de surgir com vontade e força renovadas, depende de alianças para montar uma alternativa palpável.

O desenlace desse processo eleitoral travado, por incrível que pareça, ainda parece estar nas mãos de Cristina, que segue com mais de 40% de aprovação popular. Com Máximo mais presente e como voz mais ativa, ou até mesmo como opção de candidato presidencial, o kirchnerismo renova sua força. Pelo menos por ora, dele depende a definição do próximo presidente. E parece que os argentinos logo estarão acostumados com a voz do antes “mudo” Máximo Kirchner.

Abaixo, seu discurso no estádio do Argentino Juniors.