Para que serve a Cúpula das Américas?

Sylvia Colombo
Presidentes das Américas no final da Cúpula de Cartagena, em 2012 (Foto: El Espectador)
Presidentes das Américas no final da Cúpula de Cartagena, em 2012 (Foto: El Espectador)

Para que serve a Cúpula das Américas? Criada há mais de 20 anos pela Organização dos Estados Americanos (OEA), seu propósito original era discutir a implementação da ALCA (Área de Livre Comérico das Américas), que viria a ser a expansão do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (EUA, Canadá e México) ao resto do continente, excluindo Cuba. A ideia naufragou na cúpula de 2005, realizada em Mar del Plata, na Argentina. A cúpula, entretanto, seguiu acontecendo, de três em três anos, sem conseguir eleger um tema substituto à altura nem provocar debates continentais de peso. Na foto acima, capturada no último dia do mais recente encontro, em Cartagena (2012), vemos um grupo de presidentes sorrindo amarelo, parecendo querer livrar-se rápido da formalidade (Cristina Kirchner, por exemplo, saiu daí de fininho e sem se despedir de Juan Manuel Santos, o anfitrião) e já desencanado com relação ao visual (devido ao calor caribenho, a guayabera substituiu os ternos e até Obama abandonou a gravata).

A partir da próxima sexta, o grupo se reencontra, agora com Cuba como convidada, na capital do Panamá. Muda alguma coisa? Por que esse folclórico encontro de presidentes segue acontecendo? Algum tema preencherá o vazio deixado pelo fiasco da ALCA? O estudioso de relações internacionais argentino Juan Gabriel Tokatlian, professor da Universidade Torcuato di Tella (Buenos Aires), conversou com a Folha sobre o assunto. Leia, abaixo, a íntegra do papo.

Folha – Para que serve a Cúpula das Américas?

Juan Gabriel Tokatlian – Desde que, em 2005, não se conseguiu concretizar a ALCA, essas cúpulas se transformaram em algo sem proposta temática e sem uma orientação de comportamento de bloco mais clara. Viraram encontros mais políticos do que econômicos. Na última, em Cartagena, o principal tema foi discutir que não fazia sentido ter uma próxima cúpula sem Cuba. Ou seja, virou um evento de diplomacia. Quando um relato final mostra mais de 30 temas discutidos com o mesmo peso, é porque não houve nada prioritário. Tem sido assim nas últimas edições.

Folha – O que se pode esperar do encontro no Panamá?

Tokatlian – Havia uma expectativa muito positiva para este encontro desde o anúncio da reaproximação entre os EUA e Cuba, em 17 de dezembro do ano passado. Esperava-se algo histórico, que colocaria um ponto final na Guerra Fria. Porém, a ordem executiva dos EUA contra a Venezuela, anunciada em março, criou um clima muito negativo. E então, o que parecia mais promissor ficou para trás. Só sobrou o tema venezuelano. Parafraseando o escritor Gabriel García Márquez (1927-2014), creio que temos aqui a “crônica de uma cúpula fracassada”.

Folha – As dificuldades econômicas que a região enfrenta neste ano vão ser um assunto?

Tokatlian – Não é possível negar que as condições que tiveram os presidentes latino-americanos para se reelegerem com facilidade nos últimos 15 anos simplesmente não existem mais. Não digo tanto como projetos de partido, mas principalmente como pessoas. Creio que Dilma Rousseff terá sido a última desse grupo que se favoreceu da bonança econômica das “commodities” que conseguiu se reeleger, e mesmo assim ganhou de modo apertado, por margem mínima de votos, e já está enfrentando dificuldades.

Da mesma maneira, não será nada fácil que Rafael Correa (Equador) alcance seu almejado quarto mandato. E, na Bolívia, Evo Morales já enfrentou o primeiro obstáculo com a derrota em alguns núcleos eleitorais muito importantes (em La Paz e El Alto, a oposição venceu as eleições municipais).

Não creio que isso afete exclusivamente os ditos bolivarianos, os membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da América). Ser ou não da Alba, neste momento, especificamente, não facilita ou dificulta as coisas. A situação é ruim para os moderados e para os radicais. Os que dependem do valor do barril de petróleo especialmente. E aí temos que incluir o México entre os países que terão um ano muito difícil.

E, então, é natural que surjam essas bandeiras, da denúncia da corrupção e do clientelismo, como estamos vendo no Brasil.

Folha – Como avalia a questão da Venezuela?

Tokatlian – A situação, que já é grave, está ficando pior, principalmente porque, comparativamente, em alguns lugares, apesar da crise, vemos exemplos mais positivos, que apontam para uma esperança. É o caso da Colômbia, com a perspectiva de um acordo de paz com a guerrilha, e mesmo Cuba, que gera boa expectativa com a reabertura de seu mercado.

 

Folha – Os países da Alba prometem um ato de confronto com os EUA, com a reivindicação de que se suspenda a ordem executiva contra a Venezuela. Como vê a aliança hoje?

Tokatlian – Sem a liderança venezuelana, a Alba tem muita dificuldade de se justificar e de atuar. A Venezuela sempre foi generosa em sua política petroleira, vendia a preço baixo aos países amigos e era uma maneira de garantir apoios, principalmente em Cuba e na América Central. Agora já não pode fazer isso.

Não vejo como a Alba pode crescer agora, ou aumentar sua influência. Não há uma fila de países querendo juntar-se à aliança. E não há um novo Hugo Chávez. Mesmo países que tendiam a moderar o discurso ou simpatizar com a Venezuela, como o Brasil e a Argentina, agora estão lidando com seus próprios problemas internos e não veem benefício. Enquanto isso, os países menores da América Central estão preferindo rumar a Washington, não a Caracas.

Folha – Na última cúpula, Cristina Kirchner saiu antes da hora, ofendida. Como deve se comportar agora?

Tokatlian – Cristina provavelmente vai querer levar o tema Malvinas de novo à pauta, mas isso já não funcionou em Cartagena, provocando até mesmo esse desgaste dela com o presidente colombiano Juan Manuel Santos.

Os outros países, por sua vez, não vão querer ir além do que já disseram sobre as Malvinas, repetindo a determinação da OEA, mostrando simpatia, mas sem ir muito além.

O que me parece que Cristina vai usar é o usar o acordo dos EUA com o Irã para dizer que ela não estava tão errada quando deu o mesmo passo. Não creio que o caso Nisman (promotor que a acusou de obstruir investigação sobre atentando à AMIA para garantir um acordo comercial com o Irã, e que foi assassinado em janeiro), que provoca tanto desgaste aqui, seja levantado na reunião. Mas Cristina provavelmente vai querer mandar esse recado para os argentinos: “Me criticaram tanto por me aproximar do Irã, vejam agora o que fazem os EUA”.