Do que têm medo os argentinos?
Em cartaz em São Paulo, “História del Miedo” é um filme meio arrastado. Tentando talvez emular o modo como sua compatriota Lucrecia Martel trabalhou de forma magistral o silêncio sufocante de círculos humanos fechados (como em “O Pântano”), o diretor Benjamín Naishtat não obteve muito sucesso ao não fornecer uma trama muito consistente. Há uma originalidade na mistura que fez dessa abordagem com a linguagem dos filmes de terror, e um bom aproveitamento dos efeitos do suspense tradicional transportados à expectativa de uma explosão social, na Argentina nos dias de hoje. O filme, porém, expõe questões interessantes pertinentes a várias grandes cidades latino-americanas. Aqui, fala-se de Buenos Aires e de como os mais endinheirados se afastaram do centro para viver em condomínios fechados, luxuosos e supostamente seguros, nos subúrbios. Podia, entretanto, estar se referindo a muitas outras, como São Paulo, Bogotá ou La Paz, onde o fenômeno também acontece.
Co-produção argentina, uruguaia, alemã e francesa, o filme, que competiu no festival de Berlin, narra como o medo social se instala entre grupos familiares ricos e pobres. Apesar da chave maniqueísta, há bons diálogos à mesa de jantar dos moradores do condomínio, e cenas silenciosas tocantes que expõem a insatisfação dos excluídos, não apenas por questões materiais, mas por não perceberem sentido em suas vidas. O filme, que no Brasil foi rebatizado de modo infeliz como “Bem Perto de Buenos Aires”, traz um bom termômetro dos atuais humores de uma sociedade que vive uma crise econômica, se aproxima de uma grande mudança política devido ao fim de um ciclo (o do kirchnerismo) e no qual a violência e o crime exercem muito poder no imaginário coletivo. Conversei hoje, por telefone, com o diretor, Benjamín Naishtat.
Folha – Por que os condomínios fechados?
Naishtat – Acho que é um fenômeno muito latino-americano e que ajuda, ao mesmo tempo, a entender o que acontece na Argentina. Tanto que a recepção aqui na região foi muito boa, já a plateia europeia teve um pouco mais de dificuldade para se conectar, quando o filme estreou na Berlinale, a plateia ficou um pouco dividida. Também mostramos o filme na Índia, e foi muito bem recebido.
Folha – Buenos Aires não está entre as cidades mais violentas da América Latina, mas a segurança é a maior preocupação dos portenhos, mais do que a corrupção e a política. Como explicar isso?
Naishtat – É algo particular mesmo, como apesar de os números não justificarem tanto o medo da violência, ele está presente de modo muito forte aqui. Mas o medo é também um elemento de dominação, e na Argentina, como em outros lugares, virou um elemento de dominação. Nesse sentido creio que o filme é muito político e diz muito respeito ao que acontece aqui e agora, apesar de poder causar identificação em outras partes do mundo. Acho que esse medo começou a aumentar no fim dos anos 90, com as mudanças na economia, a grande crise que veio depois, e creio que os meios de comunicação fizeram muito para alimentar esse medo da explosão social, virou um círculo vicioso. É fato que Caracas, outras cidades, são mais violentas. Aqui convivemos com a violência mais através do medo, é como se vivêssemos num filme de ficção científica.
Folha – Como vê a produção argentina hoje?
Naishtat – Há muito mais heterogeneidade hoje, se faz de tudo, desde filmes mais comerciais como mais independentes. Pudemos fazer algo como “Relatos Selvagens” e também se produzem comédias mais ao estilo televisivo. Há uma boa política que fomenta essas diferentes produções, isso é bom, e nossos atores também têm muito bom nível técnico. Por outro lado, somos um mercado pequeno e nem todos os argentinos consomem tanto nossa produção local.
Folha – Em que está trabalhando agora?
Naishtat – Num filme sobre os anos 70.
Folha – Outra obsessão argentina, como a violência.
Naishtat – É verdade, há muitos filmes sobre o período, mas poucos mostrando o envolvimento da sociedade civil na ditadura (1976-1983). É o que quero explorar.