John Oliver 2 x 0 Rafael Correa

Sylvia Colombo

Uma inusitada guerra virtual armou-se nas últimas semanas tendo como protagonistas o autoritário presidente equatoriano, Rafael Correa, e o comediante britânico John Oliver. O resultado seria cômico, se não fosse trágico. O episódio ocorre num momento em que Correa encontra-se avançando contra as redes sociais, numa tentativa obviamente infrutífera de interromper críticas a seu governo e gozações com relação à sua figura.

Tudo começou quando Oliver exibiu em seu programa na HBO norte-americana, “Last Week Tonight”, um esquete em que expunha o fato de que Correa estava intimidando internautas críticos a ele em seu programa semanal em cadeia nacional. O presidente equatoriano anda se irritando com mensagens de Twitter pedindo sua saída do governo ou mesmo sua morte. Também respondeu com pressões exageradas a uma página anônima do Facebook, de um chamado “Crudo Ecuador”, que publicou memes do presidente saindo de compras na Europa. O autor da página acaba de apaga-la, dizendo ter recebido ameaças de morte a ele e sua família. Deixou apenas no ar a mensagem “sr. presidente, usted ganó”.

Oliver, como sempre, levou o presidente na brincadeira. Num esquete de dar gargalhadas (veja acima), disse que Correa sofre de hipersensibilidade. “O Facebook e o Twitter não são para você. Na verdade, ser chefe de Estado talvez também não seja”. Disse que expor um menino de 18 anos que o havia criticado pelo Twitter divulgando seu nome completo era sinal de falta de maturidade e pediu que o público de seu programa mandasse mensagens tirando sarro do presidente através de sua conta no Twitter.

Correa acusou o golpe e saiu para cima de Oliver por meio do Twitter e da cadeia nacional de TV. Disse que o apresentador o acusava falsamente de ser contra o humor. “Como posso ser contra o humor, se minhas piadas são conhecidas no mundo todo?”. Oliver, então, voltou ao assunto na semana seguinte (vídeo abaixo) e retrucou, “sim, mas o senhor está confundindo ser conhecido por suas piadas com começar a ficar conhecido por ser uma piada”.

O presidente Correa e o comediante britânico John Oliver (Reprodução)
O presidente Correa e o comediante britânico John Oliver (Reprodução)

No Equador, a repercussão dos dois programas de Oliver foi grande nos meios. E internautas pró-governo, arregimentados pela página Somos Más, criada pelo governo, atacaram o apresentador britânico. Por meio do hashtag #JohnYouAreInvited, convidaram o comediante a viajar ao Equador para conhecer melhor a realidade de que se burla. O próprio Correa tuitou que Oliver não deveria ser ouvido porque “ele provavelmente pensa que a capital do Equador é Kuala Lumpur”. Ao mesmo tempo, fotos íntimas de uma líder oposicionista que é acusada de incitar uma rebelião contra Correa caíram na rede. Acusa-se o governo por te-las deixado vazar como parte da sua estratégia de guerra virtual.

Tudo isso seria engraçado, se não se tratasse de um agravamento do avanço do presidente equatoriano sobre a liberdade de expressão em seu país. Conhecido já por ter processado o jornal “El Universo”, condenando-o a uma exorbitante multa e levando ao exílio seu editor de opinião, por ter obrigado o cartunista Bonil a corrigir uma charge e o levar novamente a ser julgado por outra ilustração que fazia piada com um parlamentar governista, Correa agora se volta às mídias sociais. Os vídeos de Oliver falando de Correa foram compartilhados à exaustão por internautas equatorianos.

Jornais alinhados ao governo passaram a publicar colunas defendendo a regulação da internet. Em conversa recente com a Folha, o cartunista Bonil disse que o ataque de Correa à liberdade de expressão só tende a aumentar, pois ele “já calou os meios tradicionais”. Desde o ano passado, o presidente equatoriano conta com a já aprovada Lei de Meios que, entre outras coisas, estabelece que a mídia, por ser de interesse nacional, deve ser regulada pelo Estado. “Ele não está hesitando em incluir aí as manifestações virtuais também.”. Por determinação da Justiça, a homepage do jornal “El Universo”, que publica as charges de Bonil, está publicando um pedido oficial de desculpas por conta de uma caricatura do humorista que tinha como tema um parlamentar pro-Correa.