México, outro jornalista morto, outro prefeito envolvido

Sylvia Colombo
Manifestante pede justiça em ato pelo jornalista morto (Foto: Revista Proceso)
Manifestante pede justiça em ato pelo jornalista morto (Foto: Revista Proceso)

O pequeno semanário “La Unión” não é o “Charlie Hebdo”, tampouco a minúscula cidade de Medellín Bravo, de 2.500 habitantes, no Estado mexicano de Veracruz, é Paris, mas o brutal assassinato do jornalista Moisés Sánchez Cerezo, 49, cujo corpo destroçado e degolado (o reconhecimento teve de ser feito por meio de exames de DNA) foi encontrado na última segunda-feira (26) deveria estar tendo mais atenção dos meios e opinião pública internacionais. A morte de Sánchez Cerezo ocorre quando o México ainda está nas ruas protestando pelo desaparecimento dos 43 estudantes no Estado de Guerrero, e justo depois de o presidente pedir que a tragédia fosse “superada” e de ter anunciado um plano de segurança para evitar que mais crimes violentos relacionados com a guerra do narcotráfico voltassem a acontecer.

Sánchez Cerezo foi sequestrado no meio da noite, no último dia 2 de janeiro. Além de arrancá-lo da cama, levaram também seu computador, celular e câmera. Nos vinte dias após a tragédia, familiares e colegas foram às ruas. Porém, segundo denúncia da ONG para a proteção de jornalistas Artículo 19, a polícia local não dava mostras de estar tentando localizar seu paradeiro. O editor era conhecido por expor no semanário casos de corrupção local e ações de extorsões cometidas por narcotraficantes. Segundo depoimento de um colega, o repórter Juan Eduardo Mateos, Sánchez era uma presença “necessária” numa zona (sudeste de Veracruz) carente de meios e de atenção da mídia mexicana. “Todos os jornalistas da área confiavam nele para ter informação. Ele ia encontrar os colegas no Café La Paroquia, reunia a todos, e compartilhava informação”, disse, à revista Vice. O trabalho no jornal, porém, não bastava para que se sustentasse, portanto, nos dias e horários de folga, Sánchez Cerezo dirigia um táxi.

O corpo foi encontrado não por conta de buscas realizadas pela polícia, mas depois da confissão do sicário responsável pelo trabalho. Clemente Noé Rodríguez Martínez, um ex-policial e traficante de drogas declarou que a morte foi encomendada por Martín López Meneses, um sub-diretor da Polícia Municipal que trabalhava como chofer e segurança pessoal do prefeito da cidade, Bravo Omar Cruz.

A se confirmar a acusação, será mais um caso de autoridade política local atuando contra cidadãos em aliança com narcotraficantes. É preciso lembrar que o caso dos estudantes de Ayotzinapa também foi obra de uma ação casada entre Estado, polícia e crime organizado. Trata-se de uma consequência direta da expansão dos cartéis para além da ação criminosa. Hoje, boa parte da ação já não tem a ver com a compra e venda de drogas e sim com extorsões, tomada de empresas, rotas de comércio e instituições governamentais. Enquanto no enfrentamento entre cartéis e Exército morrem recém-recrutados garotos de famílias humildes do interior, os chefes da droga atuam nas cidades, no comando de negócios, jornais e vias de transporte de produtos comerciais. Quem quiser ler uma descrição mais acurada do esquema deve ler o novo e essencial trabalho do jornalista italiano Roberto Saviano, “Zero, Zero, Zero”, lançado no Brasil pela Companhia das Letras.

Já são 11 os jornalistas mortos em Veracruz desde 2010, e mais quinze no resto do país, no mesmo período. Já se trata do país latin0-americano em que é mais perigoso atuar como jornalista. Assim como no caso de Ayotzinapa, porém, a morte de Sánchez Cerezo acende um alarme por conta da participação explícita de autoridades locais nas ações armadas contra civis. Organismos de defesa de direitos humanos internacionais, como a Fundação Baltasar Garzón, apontam esses crimes como de lesa humanidade, por envolverem o Estado contra a população desarmada. Ao contrário do que diz Peña Nieto, a situação não caminha para um desenlace pacífico, ao contrário. O próprio Estado que EPN comanda parece ter as mãos sujas de sangue.