A decisão de seguir publicando
A decisão dos jornalistas sobreviventes ao atentado contra o “Charlie Hebdo”, na França, me fez lembrar a tocante e heróica reação dos profissionais colombianos (família proprietária, repórteres e editores) após os dois ataques proferidos pelo crime organizado, nos sangrentos anos 80. Jornal mais antigo da Colômbia (fundado em março de 1887), de orientação liberal, em circulação até hoje, o “El Espectador” assumiu a dianteira na divulgação dos assassinatos, sequestros e extorsões que vinham sendo perpetrados pelos cartéis de Cali e Medellín. Desde o início, este foi o diário em que a estrutura dos cartéis foi revelada, apontando o dedo diretamente ao perigoso chefão Pablo Escobar.
Há muita bibliografia sobre o período, mas um livro recém-chegado ao Brasil joga bastante luz no papel que o jornal teve no desenrolar dos fatos. “Pablo Escobar – Ascensão e Queda do Grande Traficante de Drogas”, do jornalista Alonso Salazar Junior, sai agora pela editora Planeta, no embalo do seriado de sucesso baseado na obra, “Escobar – El Patrón del Mal”, sucesso de audiência em toda a América Latina (foi exibida aqui pela Globosat).
O primeiro ataque foi em dezembro de 1986, poucos dias antes do Natal. O diretor Guillermo Cano Izasa, então com 61 anos, autor de vários dos editoriais que desnudavam os delitos dos cartéis, saía da Redação sozinho. Era por volta das 19h. Entrou no seu carro, já observado por sicários, quando fez o contorno para entrar numa das grandes avenidas de Bogotá, a caminho de sua casa, os criminosos se aproximaram, de motocicleta, e dispararam com uma metralhadora. O jornalista morreu na hora. Nesse mesmo dia, os filhos de Cano decidiram que o jornal nem deixaria de ser publicado, nem amenizaria sua linha editorial.
Três anos depois, os criminosos, indignados com o fato de o jornal não desistir de expor suas atividades, armou outro atentado. Desta vez, a vítima foram as instalações do mesmo. Uma furgoneta repleta de explosivos foi estacionada na frente da Redação num sábado pela manhã, por volta das 6h30, explodiu, abrindo uma cratera e fazendo voar o teto, máquinas de escrever, telefones e estilhaços. Quem comandava o jornal então eram os filhos de Guillermo Cano. Com apoio dos jornalistas, que compareceram em massa para trabalhar, em solidariedade, o jornal estampou uma foto da Redação destruída (acima) e a manchete “Seguimos adelante!”.
A boa notícia é que essa é uma história de final, em parte, feliz. Hoje, os cartéis colombianos dos anos 80 foram desarmados, seus principais líderes, mortos ou presos, e o jornal, em papel e online, continua sendo um dos mais importantes e confiáveis do país. Que o exemplo traga boa sorte ao “Charlie Hebdo”.