“Não é preciso ajudar o Ken Follet, é preciso ajudar o pequeno editor “, Pedro Juan Gutiérrez
Sylvia Colombo
Na Ilustrada deste sábado (3), publico uma matéria sobre como a literatura cubana vem refletindo as mudanças sociais e políticas na ilha. Entre outros autores, conversei com Pedro Juan Gutiérrez, autor da “Trilogia Suja de Havana” (Alfaguara). Leia, aqui, a entrevista na íntegra.Folha – A literatura cubana contemporânea tem sido capaz de prever e acompanhar as mudanças na ilha, por meio de livros como os seus, de Wendy Guerra e de Leonardo Padura. Que impacto terá na cultura a reaproximação com os EUA?Pedro Juan Gutiérrez – A aproximação dos dois países será muito importante em todos os campos. Por exemplo, aumentará o intercâmbio cultural, científico, esportivo e de turistas. Por exemplo, para mim, durante os anos George Bush (2001-2009), me convidaram de várias universidades norte-americanas, mas aqui nunca me deram o visto. A Universidade de Columbia duas vezes e a de Colorado, entre elas. Não há vistos para Pedro Juan, nem para ninguém. Bush cortou as relações conosco de modo histérico. Aconteceu também com outros intelectuais cubanos. Portanto, acho que essa flexibilização era necessária.Folha – A relação cultural entre Cuba e Estados Unidos sempre foi muito intensa, os autores cubanos sempre se declaram influenciados pelos norte-americanos, ao mesmo tempo, a música e o cinema cubano tem grande inserção lá. A identidade cultural de ambos passa pela relação bilateral?Pedro Juan – Em setembro, vi no Lincoln Center (NY) um espetáculo de três horas com a jazz band dali e músicos cubanos convidados, Chucho Valdés ao piano. Era incrível como tudo fluía como se fosse uma só cultura, e era uma mistura de África, Cuba e Estados Unidos. Fascinante e inesquecível. Este é só um exemplo. Outro: Os escritores que mais me influenciam são norte-americanos: Ernest Hemingway, Raymond Carver, Truman Capote, e muitos outros. A cultura cubana é muito forte e chupa de tudo, absorve, processa, somos uma ilha com grande capacidade de assimilação. Há muitos ensaios e estudos sobre esse assunto. De todos os modos, não podemos ser ingênuos. Vivemos num mundo globalizado onde os valores nacionais, às vezes, se dissolvem.Esse é um perigo real que todos os povos do mundo enfrentam: morrer culturalmente sob a enorme força dos grandes meios poderosos. No momento, em Cuba isso não se sente de modo tão grave como em outros lugares. Mas é preciso ver o que acontecerá num futuro imediato.
Folha – Você prevê mudanças no mercado dos EUA para livros cubanos? E para outros países? Acha que autores terão mais possibilidades de serem publicados fora da ilha?Pedro Juan – O intercâmbio entre os dois países será gradual e lento. Pelo que expliquei antes, suponho que as autoridades cubanas terão cuidado para que o mercado norte-americano da cultura não engula um bocado do mercado cubano atual. Todos os países tomam essas medidas de proteção. Creio que é mais saudável que tudo seja lento e gradual. Meus livros começaram a ser mais publicados aqui em Cuba. Já tenho 17 títulos publicados desde 1998 até hoje. Dez de prosa e sete de poesia. Aqui, saíram por enquanto apenas cinco ou seis títulos e continuamos, ainda que com tiragens pequenas.Folha – Um grande tema recente da vida cultural cubana é que a pirataria de produtos norte-americanos cresceu muito, você pensa que a indústria cultural desse país vai se impor com seus blockbusters? Cuba poderá defender a tradição que sempre teve de estar muito aberta à produção cultural europeia e latino-americana?Pedro Juan – Esse processo de globalização e aplanação da cultura de massas é impossível de deter. Não podemos ser ingênuos. É preciso defender as pequenas e médias editoras, as produtoras de cinema também pequenas e médias, e galeristas e etc. Porque é aí onde estão as verdadeiras reservas de arte hoje em dia. Os escritores como eu, por exemplo, não podemos entrar nos grandes grupos editoriais, porque estes, a única coisa que produzem é entretenimento e best sellers e m* globalizada. Não. Os governos têm de deixar claro que devem apoiar aos que verdadeiramente fazem cultura e produzem o pensamento independente. Não é preciso ajudar o Ken Follet. É preciso ajudar o pequeno editor que insiste, o pequeno cineasta. É muito complexo esse processo. Mas é preciso falar dele e conseguir que os políticos tenham consciência de que é seu dever ajudar e apoiar de verdade aos produtores de cultura.