Piketty e escritores fazem críticas ao governo do México
O economista francês Thomas Piketty engrossou o coro de críticas ao governo mexicano que marcam essa 28a edição da Feira do Livro de Guadalajara, que acontece na cidade até o domingo. Em palestra para lançar a versão de “O Capital no Século 21” em espanhol, Piketty disse que as injustiças sociais, que estão por trás da tragédia de Ayotzinapa, devem ser combatidas com mais transparência por parte do Estado. “A opacidade em aspectos financeiros sobre os ingressos e da riqueza não é boa. Penso que o governo mexicano não deve temer publicar mais informação sobre como funciona o sistema fiscal e qual é o número de pessoas que paga imposto”, disse, reforçando que é muito difícil analisar países como o México, porque falta informação fidedigna e dados sobre grande parte da economia, que permanece na informalidade. Afirmou, porém, que não quer dar lições ao país, mas que um dos objetivos do livro, que se transformou em febre internacional, é combater os nacionalismos intelectuais.
Figura rara no meio de tantos autores de ficção hispânica _grosso da população da FIL_, Piketty afirmou ser um fã do mexicano Carlos Fuentes (1928-2012). O economista francês disse que, assim como Karl Marx pôde construir um retrato do capitalismo do século 19 lendo Balzac, ele fez o mesmo através de textos como “La Voluntad y la Fortuna”. Através dele, diz, pôde entender como um presidente que parece uma construção de marketing se vê enredado pelo poder de empresas milionárias e gangues de narcotráfico. Piketty não mencionou abertamente o presidente Enrique Peña Nieto, nem o empresário Carlos Slim, mas a audiência entendeu o recado.
Outros autores também assumiram o tom de crítica ao governo ao juntarem-se às manifestações pelo esclarecimento do desaparecimento dos 43 estudantes em Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, tragédia que tem levado milhares de pessoas às ruas e coloca em questionamento a atuação de Peña Nieto.
“É importante que não fiquemos quietos dentro do evento, enquanto o resto do país grita”, disse o escritor mexicano Paco Ignacio Taibo, enquanto abria espaço entre os soldados armados que fizeram um cerco das entradas da feira. “Há uma severa decomposição do Estado no México, hoje ser político é apenas uma maneira de ficar rico”, completou o também mexicano Juan Villoro, que caminhou com os manifestantes.
Entre uma mesa e outra do evento, escuta-se o grito: “Vivos os levaram, vivos os queremos”, em protesto armado diariamente por estudantes que entram na feira, espalham-se entre os estandes e, ao escutar um apito, deitam-se no chão com a foto de um dos desaparecidos e contam até 43.
“Às vezes, protestar serve apenas como catarse de um grupo, noutras forma-se uma massa crítica que pode chegar a mudar algo, é o que parece estar acontecendo no México”, disse o argentino Martín Caparrós.
Autora de um clássico sobre o massacre da praça de Tlatelolco, em 1968, a veterana Elena Poniatowska disse que a tragédia é “um retrocesso espantoso. Nunca mais achei que algo parecido com aquilo acontecesse no México. Faz pensar em Auschwitz, Birkenau e Treblinka [campos de concentração nazistas].”