Berni e as perguntas sem resposta dos argentinos

Sylvia Colombo
"Manifestação", obra de Antonio Berni de 1984 (Foto: Divulgação)
“Manifestação”, obra de Antonio Berni de 1984 (Foto: Divulgação)

De toda a ampla e variada coleção de arte latino-americana do museu portenho Malba (www.malba.org.ar), a obra de Antonio Berni (1905-1981) talvez seja a que melhor dialoga com a Argentina de nossos dias, por exibir em cores vivas a variedade étnica, o espanto com a modernidade repentina e as marcas da injustiça social. Portanto, é não mais do que merecido é o espaço que o Museo de Arte Latinoamericano dá agora a uma retrospectiva da obra do artista, filho de imigrantes italianos que bebeu inspiração tanto nos subúrbios da cidade como nas vanguardas européias.

Em cartaz até fevereiro de 2015, ocupando as principais salas da instituição, “Antonio Berni – Juanita y Ramona” reúne telas de várias fases de sua trajetória artística. O foco, porém, é na série Juanita e Ramona, que expõe os personagens criados pelo artista na década de 50 _ele, um morador das favelas de Buenos Aires, então em expansão devido ao êxodo rural, ela, uma prostituta_ já num momento de profundo engajamento do artista.

Principal nome do novo realismo local, Berni viajou muito jovem a França e Espanha, onde conviveu com as novas manifestações artísticas, assim como uma geração de artistas latino-americanos ali radicados. No retorno à Argentina, e já interessado no marxismo, começa a prestar atenção ao movimento de expansão das indústrias. Junto a melhorias econômicas de um modo geral _foram as décadas douradas do país_ via a degradação da vida nos subúrbios, com a chegada de mais e mais famílias vindas do interior, o crescimento das favelas e do sub-emprego. Telas como “Desocupados” e “Manifestação” (acima) se inspiravam muito no trabalho de denúncia social dos muralistas mexicanos, ao mesmo tempo em que dialogavam com a pop art.

As preocupações político-artísticas de Berni se expandem na década de 40, quando ele viaja primeiro ao norte do país, depois a países da região que o impactam muito, como a Bolívia. É dessa época o quadro inédito que o Malba resgatou e restaurou, “Mercado del Altiplano”, um “fresco buono” de temática indigenista que pode ser visto na exposição.

Berni se desiludiu muito com a Argentina após o golpe militar de 1976, e mudou-se para Nova York, onde pintou algumas de suas obras que o dariam projeção no mercado norte-americano _”Calles de New York”, “Almuerzo” e “Chelsea Hotel”.

Num momento de recessão econômica, com os índices de pobreza aumentando devido à inflação e à instabilidade da moeda, as telas de Berni ganham premonitória atualidade. A chamada “década infame”, os anos 30, de intensa crise política-econômica, tensão social e início da série de golpes de Estado do século 20 ficaram longe no tempo, mas muitas de suas questões não-resolvidas parecem latentes na inquietação social que se nota nas grandes cidades argentinas nos dias de hoje. São boas razões para começar a olhar com atenção a essas telas, além do fato de serem extremamente belas.

O artista Antonio Berni
O artista Antonio Berni