A literatura da nova Bolívia
O imenso abismo entre o público brasileiro e a literatura latino-americana vem sendo enfrentado de forma valente e criativa pelo escritor, tradutor e editor Joca Reiners Terron. Sua coleção Otra Língua (ed. Rocco) vem lançando, desde o ano passado, títulos de autores clássicos, malditos e jovens da região. É o caso do equatoriano Pablo Palacio (1906-47), que já comentei aqui, o uruguaio Mario Levrero (1940-2004), os argentinos Roberto Arlt (1900-42), César Aira (1949) e Fabián Casas (1965), o hondurenho Horacio Castellanos Moya (1957) e a mexicana Guadalupe Nettel (1973).
Numa tarde abafada da atribulada Santa Cruz de la Sierra, me encontro com um dos integrantes da seleção de Terron, o boliviano Maximiliano Barrientos, 35, que acaba de ter lançado no Brasil seu “Hotéis”, uma espécie de road movie contado a três vozes, um ator e uma atriz do mundo pornô e uma menina. A temperatura cai para em torno dos 30 e começa a bater um vento fresco nas arcadas do café Victory, no Casco Viejo de Santa Cruz. A poucas quadras dali, o presidente Evo Morales começa seu discurso de fim de campanha, feliz por ter pacificado os ânimos numa região antes hostil a ele _em 2009, surgiram movimentos independentistas em Santa Cruz, hoje, a região apoia o líder cocaleiro. Três dias depois, Morales se alçaria com uma votação expressiva (60%) a um terceiro mandato no país.
“O novo momento do país, de crescimento econômico e inclusão social, se reflete na literatura, mas nós, escritores, já não nos sentimos tão comprometidos em retratar apenas a realidade boliviana nos textos. Há mais liberdade, mais variedade de temas. Meu livro não se passa num lugar específico nem num tempo determinado. Ocorre na América Latina, mas não vi necessidade de desenhar de forma realista nenhum lugar específico”, diz o autor, que acabava de voltar do Festival Internacional de Literatura de Buenos Aires (Filba).
Barrientos, ao lado de autores como Rodrigo Hasbún, Liliana Colanzi, Darwin Pinto, Juan Pablo Piñeiro, Christian Vera tem conectado a nova geração de autores bolivianos com a de outros países do continente. “Ainda é fato, pelo menos aqui na Bolívia, que precisamos do selo do sucesso no mercado editorial espanhol, para depois ser reconhecidos localmente, mas é uma tendência que vem mudando”, diz o escritor, que deve a projeção internacional ao lançamento de dois títulos seus na Espanha pela editora Periférica.
A obra desses autores dialoga diretamente com o cinema (caso específico de Barrientos), com o jornalismo, e com o legado da geração anterior, a de Edmundo Paz Soldan (“Norte”, Companhia das Letras), espécie dessa nova leva, e que ao lado de autores como Alberto Fuguet (Chile) e Jorge Volpi (México) defendiam um rompimento com a mística do “realismo mágico”, com que foi rotulada a produção de referências como García Márquez e Cortázar.
Ex-jornalista cultural do “El Deber”, diário independente da região, Barrientos estudou filosofia e passou dois anos na Universidade de Iowa estudando literatura. Se diz inspirado pela tradição local, como o poeta Jaime Saenz (1921-1986), mas também pela literatura contemporânea dos EUA (Raymond Carver, William Faulkner, James Salter e outros). Diz que Santa Cruz vive um bom momento, por ser o motor econômico de um país cujo crescimento estimado para este ano é de 5%. Mas que por ora isso não se reflete num florescimento cultural. “Não há bons cinemas, boas livrarias. Mesmo as de La Paz ainda estão muito atreladas a lançamentos argentinos. Muito da tradição boliviana está esgotado, da literatura ao cinema, sem interesse de resgate e reedição. Acho que a rede que está se formando no continente passa mais pela internet, e pelo circuito de festivais, é o que nos vai aproximando.”