Juan e Maria, duas caras da classe média latino-americana

Sylvia Colombo

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O Uruguai é o país latino-americano em que há mais pessoas vivendo na classe média, cerca de 63%, segundo dados do Banco Mundial, divulgados neste ano. Nas semanas que antecedem as eleições presidenciais no país-vizinho, cujo primeiro turno ocorrerá no mesmo dia da decisão brasileira (domingo, dia 26), o balanço que está sendo feito do governo Mujica passa muito sobre como a classe média está se sentindo, após quase dez anos de governo da coalizão esquerdista Frente Ampla (primeiro com Tabaré Vázquez, depois com “Pepe”). Para quem chegou agora, o Uruguai foi governado, desde o século 19 [e com exceção ao período ditatorial, de 1973 a 1985] por dois partidos tradicionais, nascidos nos anos de formação do país, o Blanco (conservador) e o Colorado (liberal, centro-esquerda). Ambos, de uma forma ou de outra, representaram a classe média e a elite do país.

O governo da Frente Ampla dedicou-se muito às camadas menos favorecidas, reduzindo os índices de pobreza e de vulnerabilidade do país. Também apostou na aprovação de leis que garantissem direitos civis, como o aborto, o matrimônio gay e a legalização da maconha. As críticas existem, e se referem a temas importantes, como a saúde, a falta de política industrial, o esfriamento das relações com a Argentina, um dos principais sócios econômicos e outros.

Agora, após uma década de políticas mais dirigidas aos pobres e às minorias, quem sente necessidade de posicionar-se é a classe média. Os anos da Frente Ampla foram um bom período para esse grupo grande de uruguaios ou não? Dois vídeos que vieram ao ar nos últimos meses mostram sentimentos opostos com relação à questão.

O primeiro a surgir foi “Juan Clase Media” (acima), lançado pelo Partido Independiente. Mostra um sujeito que diz ter sido eleitor dos “partidos tradicionais” (Blanco e Colorado) por 20 anos. Depois, cansado do “clientelismo e da negociação de cargos”, decidiu votar na Frente Amplia. E começa a enumerar avanços e retrocessos. “A economia melhorou, mas os impostos o mataram”. Além disso, diz, “o clientelismo não acabou”, os preços subiram no supermercado, foi preciso esperar três meses para consultar um especialista via plano de saúde, e mesmo mantendo os filhos na escola pública, “a educação saiu cara”. O vídeo conclui que “Juan Clase Media” não quer mais isso, e sim votar por uma mudança.

A esquerda uruguaia logo se mobilizou a responder, e surgiu “Maria Clase Media” (abaixo). No vídeo, uma garota branca, cabelo desgrenhado, vai contando que é classe média, nunca ganhou muito e, como “Juan Clase Media”, foi afetada por impostos. Além disso, também espera meses por um especialista e sente no bolso quando vai comprar a “yerba” (elemento essencial no mate bebido pelos uruguaios). Mas a diferença entre Maria e Juan, segundo ela, é que Maria não se sente desconfortável por “não ter sido prioridade” neste governo.

“Não sou trabalhadora rural, nem tampouco doméstica. Não sou lésbica, nem afro, nem transexual. De que me servem as leis sociais que foram aprovadas? Não estou em nenhum plano social, não tenho catarata, nem filhas ou filhos que tenham sido beneficiados pelos planos.”

A diferença, conclui, é que ela é uma “classe média” de esquerda. E em que foi beneficiada neste governo? “Agora vivo num país mais justo e igualitário. Porque o que importa não sou só eu e o que me beneficia, mas olho ao meu redor e vejo que as coisas estão melhores para os que estiveram por anos postergados”.

Assim como a brasileira, a eleição uruguaia está indefinida. A Frente Ampla tem uma boa margem para vencer no primeiro turno, mas no segundo pode perder para o candidato em ascensão do Partido Nacional, Luis Lacalle Pou, segundo as últimas pesquisas. A classe média será protagonista da decisão, se irá pender mais para o “Juan” do que para “Maria” é o que será visto nessas últimas semanas. Qualquer semelhança com o pleito brasileiro não é mera coincidência.