Elenco multinacional de “Olvidados” expõe o Condor
Nos seus últimos dias de vida, o general boliviano Jorge Mendieta (Damian Alcazár) resolve escrever uma carta ao filho, que vive em Nova York. A caneta treme em sua mão enquanto volta a escutar os gritos vindos dos calabouços e os tiros que mandou dar, acabando com a vida de jovens militantes de esquerda. A história que vai contar, infelizmente, é muito comum. Militar de alta patente, que acreditava estar defendendo a pátria da “ameaça terrorista”, Mendieta nunca questionou a crueldade da ditadura que apoiava, no caso, a do general Hugo Banzer (1926-2002). Pior, apropriou-se de um bebê, filho de pais militantes mortos sob suas ordens, e calou-se até o fim de sua vida.
Vi o filme “Olvidados” na interessante Cinemateca Boliviana, hoje, em La Paz. As três salas de cinema independente, com livraria e café, ficam num dos pontos mais altos da altíssima cidade (2.600m), encravada nos Andes. E, apesar de ser dirigido por um mexicano (Carlos Bolado), o filme é uma produção boliviana, que pela primeira vez mostra a Bolívia como um dos participantes bastante ativos do Plano Condor, política de ajuda sistemática de troca de inteligência e repressão dos países do Cone Sul. Há cartazes de “Olvidados” em todas as partes da cidade, e Carla Ortíz, a produtora e atriz de 37 anos, está nas capas de revistas e dando entrevistas todo o tempo. O maior êxito que alcançou, entretanto, não é simplesmente a execução do filme, mas para ele ter juntado um elenco de atores mexicanos, argentinos, chilenos e bolivianos.
A produção conta a história do sequestro de um grupo de jovens militantes, com diferentes envolvimentos com a resistência, de um país a outro do Condor. O clima de romantismo, mas também de ingenuidade, é mostrado em vários graus. Os militares também são mostrados em sua brutalidade, mas também tendo em vista suas vidas pessoais. É um filme que toma partido claro, mas não é maniqueísta. As salas de tortura e a estrutura dos interrogatórios são bem reconstruídas.
O filme menciona os julgamentos que vêm ocorrendo na Argentina, em especial o do Plano Condor, sobre o qual escrevi para a Ilustríssima (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2014/09/1518204-personagens-e-relatos-da-operacao-condor.shtml) e que devem ter desenlace no princípio de 2015. O contexto é o da Justiça chegando, ainda que tarde, a alguns algozes. Se não pela via judicial, pela da exposição por meio da investigação dos fatos. Uma pena que o Brasil, participante do plano Condor, assim como a Bolívia, engatinhem na construção da memória daqueles dias. Não por acaso, mesmo “Olvidados” sendo um projeto multinacional, há mais mexicanos e portugueses envolvidos do que compatriotas.