Ironia trágica de Pablo Palacio ganha edição no Brasil
Assim como o argentino Roberto Arlt (1900-1942), o equatoriano Pablo Palacio (1906-1947) viveu muito pouco, teve uma infância com elementos dramáticos que o faria sentir-se pária de sua sociedade _Arlt era filho de imigrantes pobres moradores de bairro periférico de Buenos Aires, tendo duas irmãs mortas por tuberculose em tenra idade, enquanto Palacio foi registrado sem pai, sofreu um sério acidente quando menino, e ficou completamente órfão também muito cedo. Ambos, pela rapidez com que surgiram e se apagaram, mal foram reconhecidos em seu tempo. O século 21 já havia feito as pazes com Arlt. Antes considerado autor de segunda importância no estrelado time das letras argentinas do século 20, abaixo de Borges e Cortázar, tem tido a obra recuperada. Textos tidos como menores, por se encaixarem no terreno da crônica do dia a dia, de narrativa policial, de observações de viagem, passaram a ser reeditados, relidos e reinterpretados como fundamentais para entender os rumos da literatura e sociedade argentinas dos dias de hoje.
A coleção Otra Língua, editada pela Rocco e organizada pelo escritor Joca Reiners Terron, tem colaborado a esse processo de resgate e justiça com obras não-valorizadas em seu tempo, principalmente no que diz respeito ao Brasil e seu eterno desinteresse blasê pelo que ocorre no continente. No ano passado, lançou aqui “Aguafuertes Cariocas”, de Arlt, espécie de diário de viagem do autor ao Rio de Janeiro, no qual, por meio de pequenos textos, como se fossem posts de um blog, o portenho constrói um panorama da cidade nos anos 30. Agora, a mesma coleção sai com “Um Homem Morto a Pontapés”, de Palacio, um de seus escritos mais importantes, originalmente publicado quando ele ainda tinha pouco mais de 20 anos.
As comparações com Arlt se limitam a esses pontos descritos acima. O equatoriano aposta numa linha diferente, tanto na parte estética como na temática, inscrevendo-se numa vertente mais vanguardista, ao mesmo tempo profundamente subjetiva. “Ele é contemporâneo de uma agitação e de uma vontade transformadora comuns com as do Brasil no mesmo período, é estranho que só agora se possa fazer essa ponte, mas que bom, por outro lado”, diz à Folha, por Skype, a escritora e ensaísta Gabriela Alemán, desde Quito.
“Seus textos negam a tradição romântica clássica, apoiam-se na psicologia dos personagens. É impossível ainda hoje as pessoas descolarem sua obra de sua trajetória pessoal, mas penso que isso é inevitável”, conclui Alemán, que reforça a importância do autor para os jovens criadores equatoriaos, principalmente no cinema. Palacio viveu marcado pelas cicatrizes que carregou na cabeça por conta do acidente quando era criança. Talvez por isso tratasse a anormalidade com tanto cinismo e ironia. Socialista engajado, entrou em várias polêmicas literárias e políticas. Em 1939, passou a ser vítima de transtornos mentais. O fim de sua curta vida foi num hospital psiquiátrico, acompanhado da mulher, que se fez enfermeira para estar a seu lado.
O também escritor equatoriano Javier Vasconez aponta para o isolamento das letras de seu país como fator preponderante para a falta de projeção no exterior. “De forma minimalista, Palacio se anticipou, muitos anos antes, ao grande romance de Truman Capote, “A Sangue Frio”. Com o mesmo tema e o mesmo tratamento formal. Palacio teve a má sorte de nascer nesta linha imaginária _entre Colômbia e Peru_ que é o Equador. Escrever daqui, como faço eu também, não é o mesmo que faze-lo do México, da Argentina, da Colômbia, do Peru ou do Brasil”, conclui.