Bar que inspirou Sábato, Borges e Francis Ford Coppola fecha as portas
Mais uma vez, cruzar a rua diante do Parque Lezama, diante da esquina entre as ruas Brasil e Defensa, no bairro de Santelmo, causa um aperto no peito. O Bar Britânico, novamente, fechou as portas. Nesse café portenho típico, de balcão de madeira (em curva) e mesinhas rústicas, letreiro pintado no vidro como se fazia antigamente, e janelas amplas abertas para a rua, de onde se podia escutar o som das rodas dos carros deslizando sobre as pedras e a conversa dos passantes, transcorreu muito da cultura argentina do século 20.
Ali, Ernesto Sábato (1911-2011) atravessou tardes escrevendo seu clássico, “Sobre Heróis e Tumbas”. Borges (1899-1986) namorou a escritora e tradutora Estela Canto, e Francis Ford Coppola gravou cenas de “Tetro”, rodado praticamente todo no bairro e que mostra a Buenos Aires marginal dos imigrantes italianos. Abaixo, o link do trailer. Ali, ainda, o protagonista de “O Cantor de Tango”, de Tomás Eloy Martínez (1934-2010), inicia suas buscas, numa Buenos Aires afundada na crise econômica de 2001.
Fundado em 1928, primeiro chamava-se “La Cosechera”. Com o tempo, a freguesia começou a ser formada por muitos ingleses que trabalhavam na construção da linha de trem hoje conhecida como Roca e que sai da plaza Constitución. Muitos eram, ainda, ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial. Formou-se aí um enclave britânico num bairro caracterizado por abrigar os italianos já havia algumas décadas. Em 1982, com a Guerra das Malvinas, o governo militar obrigou muitos estabelecimentos de origem ou inspiração inglesas a trocarem de nome. Os três donos espanhóis do negócio, então, apagaram o “Bri” do letreiro e, até o fim do conflito, o bar ficou conhecido como Tânico.
As dificuldades para manter-se não são novas, em 2006, o bar também fechou as portas, provocando um abaixo-assinado e um movimento simbólico dos moradores ao redor, que entregaram as chaves de suas casas como quem dizia que preferia deixa-las a perder o ponto de encontro. Um acordo entre os donos e os locatários permitiu reabri-lo.
Apesar de toda a questão romântica em torno do bar, considerado um dos “notáveis” da cidade, a dificuldade de mante-lo num momento em que a região se “valoriza” do ponto de vista turístico é notória. Perto da feira dominical visitada por hordas de viajantes consumistas, o Britânico tinha de competir com Starbucks, “parrillas” meio postiças, e a preferência de muitos pelos restaurantes hypados de Puerto Madero, ali ao lado. O Britânico, com sua fórmula tradicional de vender cafezinhos e medias-lunas, e refeições estilo ligeiro, não alcançava para o aluguel, muito menos para manter-se 24h aberto, como fazia em seus bons tempos.
Agora, os proprietários buscam novos inquilinos, mas não garantem a continuidade do bar. Entregarão ao imóvel aos que podem pagar. No caso de alguns outros “bares notáveis”, como a Confeitaria Richmond, o patrimônio foi destinado a outra coisa _no caso, uma loja da Nike. Santelmo e Palermo são os bairros portenhos mais afetados por esse movimento de expulsão dos locais tradicionais motivados pelo aumento dos alugueis. Em ambos os casos, faltam políticas da cidade e do Estado nacional para a manutenção do patrimônio. Caso contrário, será preciso buscar nos filmes e nos livros referências para imaginar como eram.