“Los Olvidados”, o pesadelo de Buñuel revivido na América Central

Sylvia Colombo

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Na cena de abertura de “Los Olvidados” (1950), clássico do cinema latino-americano, dirigido por Luis Buñuel, uma voz em off diz: “As grandes cidades modernas: Nova York, Paris, Londres, escondem atrás de seus magníficos edifícios lugares de miséria, que abrigam crianças mal-nutridas sem higiene, sem escola, sementeiro de futuros delinquentes. A sociedade trata de corrigir esse mal, mas o êxito de seus esforços é muito limitado. Só num futuro próximo poderão ser reivindicados os direitos das crianças e dos adolescentes, para que sejam úteis à sociedade. México, a grande cidade moderna, não decepciona essa regra universal. Por isso, esse filme está baseado em fatos reais, não é otimista e deixa a solução do problema às forças progressistas da sociedade”.

Infelizmente, esse futuro com alguma esperança que pedia o diretor aragonês nunca chegou, e nem parece próximo disso. A recente “crisis de los niños”. Milhares de menores, sozinhos ou acompanhados por “coiotes”, vêm tentando cruzar ilegalmente a fronteira dos EUA. Do outro lado, têm encontrado rejeição, preconceito e deportação, muitos mesmo tendo seus pais já estabelecidos em território norte-americano. Já foram pegos mais de 52 mil crianças tentando atravessar, a pé, o deserto. Este número corresponde a mais de 99% com relação ao ano passado.

Em “Los Olvidados”, Buñuel retrata um grupo de menores que, sem opções ou recursos, desandam para a vida criminosa, nos arredores da Cidade do México. A situação que se registra hoje é diferente, mas a raiz do problema segue sendo a mesma. O México tem visto suas taxas de pobreza e delinquência juvenil caírem, o que leva a menos casos de imigração. Por outro lado, outros países da América Central não tem tido o mesmo destino. E toda uma geração, muito jovem ainda, se vê sem esperanças como no filme de Buñuel. O caminho é seguir a trilha para os Estados Unidos.

Diferentemente de décadas passadas, a imigração ilegal hoje não ocorre por conta da pobreza unicamente. O fator agravante é a violência de gangues criminosas que, curiosamente, nasceram nos EUA e foram exportadas para a América Central através de deportações. Grupos como La Mara Salvatrucha ou o Barrio 18, para se ter uma ideia, possuem mais membros do que as temidas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) ou os Zetas, do México. Além dos crimes de extorsão às famílias, os criminosos têm planos de recrutação forçada de crianças. As escolas de El Salvador, Honduras e Guatemala vêm esvaziando-se. Os meninos que não são cooptados para as guerrilhas, escondem-se em casa pelo medo dos pais. Desesperados, os que estão nos EUA tentam trazer os filhos, pagando quantias exorbitantes a “coiotes”, de US$ 5 a 10 mil por criança. O crime organizado fez com que a taxa de homicídio nesses países subisse às alturas. A de Honduras é hoje de 90.4 por 100 mil habitantes. A de El Salvador, 41.2. E a da Guatemala, 39.9. Mais de 30% desses assassinatos são de jovens entre 10 e 18 anos.

Nas gangues, os menores são usados como mensageiros, carregadores de drogas e mesmo sicários, assassinando por encomenda. A Mara Salvatrucha prefere recrutar os mais jovens, de 8 e 9 anos, para dar-lhes treinamento “completo”.

O governo Obama tem sido pressionado para uma solução ao problema. Até agora, suas ações foram tímidas e conservadoras. Pediu ao Congresso a liberação de US$ 3,7 bilhões, mas a maior parte do dinheiro será para reforçar a fronteira e entregar verba para que El Salvador, Honduras e Guatemala façam o mesmo. Críticos ao governo pedem que considere a adoção de vistos de emergência para reunificação familiar. Porém, a gestão norte-americana recordista em deportações tem preferido devolver as crianças para onde estão sob o risco de serem recrutadas, torturadas ou mortas.

Ao que tudo indica, Buñuel superestimou as “forças progressistas da sociedade”. “Los Olvidados” parece até infantil quando se vê os níveis de violência nos quais crescem e morrem cedo os meninos e meninas centro-americanos. Que sua voz não se apague no deserto.

 

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