A morte de Galán e a nova escobarmania

Sylvia Colombo

Há 25 anos nesta noite, morria na cidade de Soacha, na Colômbia, o candidato a presidente Luis Carlos Galán. Favorito para ganhar as eleições com um discurso de enfrentamento aos grandes cartéis da droga, o liberal ficou conhecido como o JFK colombiano, carismático, boa pinta, com um discurso renovador para um país que atravessava tempos sombrios. Os cartéis de Medellín e de Cali, assim como forças paramilitares que se estruturavam no país, realizavam atentados medonhos na tentativa de mudar as leis da Colômbia em seu favor. Galán estava marcado para morrer e não deu para trás, foi alvejado em pleno comício de campanha, mal começava a balbuciar um discurso. Escrevi sobre o tema na edição de ontem de Mundo (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/08/1501694-colombia-lembra-25-anos-do-assassinato-de-presidenciavel.shtml) e o relato de época sobre aquela fatídica noite pode ser visto acima?

Qual o significado dessa morte passados 25 anos? Em primeiro lugar, discutir os modos como se enfrentou a questão do comércio ilegal de drogas até hoje. Num conflito com cartéis e guerrilhas de esquerda hoje dedicadas ao narcotráfico contra o Estado, morreram mais de 250 mil pessoas, enquanto 5 milhões tiveram de deixar suas casas. A efeméride surge justo quando um debate aberto sobre como negociar (ou não negociar) a paz se instalou nas campanhas presidenciais. Por um lado, estava o candidato linha-dura que defendia o fim das conversas e a volta da opção bélica, por outro, o atual presidente, Juan Manuel Santos, que defende a saída negociada. A população colombiana, a princípio contra anistias e participação de ex-guerrilheiros na política, deu uma carta branca a Santos, mas começa a assustar-se pelo fato de que a guerrilha não parece amenizar sua postura, e mergulhou a Colômbia outra vez num clima de medo movido por uma série de atentados, nas últimas semanas. Aos poucos, vem ganhando força uma outra alternativa, a da legalização gradual e controlada das drogas. Cautelosamente, Santos introduziu o assunto em várias ocasiões, em seu primeiro mandato. Já uma proposta mais formal pela legalização da maconha foi levada ao parlamento, justamente, pelo filho de Galán, Juan Manuel, hoje senador.

No meio dessa discussão política de primeira ordem, no plano do imaginário coletivo os terríveis anos 80/90 voltaram também a fazer parte do cotidiano dos colombianos. Mais de vinte anos depois de morto, o líder do Cartel de Medellín, Pablo Escobar (1949-1993) volta a causar paixão e fúria. O narcotraficante mais conhecido, mais rico e mais famoso da América Latina vem sendo lembrado por telenovelas, séries e filmes. Primeiro, foi “Escobar – El Patrón del Mal”, atração de 74 capítulos da TV Caracol que foi vista por mais de 2 milhões de pessoas na Colômbia e liderou ranking de preferência da população latina dos EUA. Uma verdadeira super-produção, a série usou 1.300 atores e 450 locações, dentro e fora da Colômbia, gastando mais de US$ 170 mil por episódio.

A série causou polêmica, por de certo modo heroicizar Escobar, o menino pobre da periferia de Medellín que, ao se dar conta das injustiças a seu redor, se transforma aos poucos num contrabandista e num narcotraficante, sempre agindo como uma espécie de Robin Wood, torrando boa parte de sua fortuna para fazer benefícios à comunidade. Por outro, mostra as atrocidades que vão tendo uma escalada ao longo da história. Para pressionar o governo colombiano a acabar com a extradição de criminosos colombianos aos EUA, Escobar comanda atentados intimidatórios em que morrem ministros, jornalistas, magistrados, candidatos a presidente e muitos, muitos civis. A série pode ser vista em DVD (Amazon, importado) ou por streaming no canal Telemundo. Eletrizante, prova o que o escritor italiano Roberto Saviano diz sobre as histórias do narcotráfico, que são como a cocaína, quanto mais se sabe, mais detalhes e informações se quer. O enredo novelesco da vida de Escobar ganha de muita ficção de qualidade. A excelente atuação dos atores amarra-se a uma trama envolvente que não esconde nada, as mortes são violentas, a reação emotiva dos afetados é tratada sem contornos apelativos. Ajuda o fato de misturar imagens de época, que dão cor real aos acontecimentos.

Outras duas produções sobre Escobar estão a caminho. “Paradise Lost”, em que Benício del Toro interpreta o chamado “patrão do Mal”, e a série “Narcos”, que terá Wagner Moura como protagonista e está sendo filmada na Colômbia. Há quem pense, na Colômbia, que esses programas não deveriam ser nem feitos, porque glamourizam uma figura do mal. Por outro lado, os que reforçam que “quem não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Vale a pena conferir.