“El Estudiante” e o kirchnerismo

Sylvia Colombo

Com três anos de atraso, chega ao circuito comercial brasileiro o melhor filme argentino desde o Oscar de filme estrangeiro para “O Segredo de Seus Olhos”. Trata-se de “El Estudiante”, de Santiago Mitre, exaltado no BAFICI de 2011 e nos festivais europeus por onde passou. Mais do que outro show de roteiro e de diálogos, como vem sendo essa nova safra argentina desde o começo dos anos 2000, “El Estudiante” é também retrato de uma parte da juventude argentina e mostra a gênese de um aparato ideológico, hoje no poder.

Roque (Esteban Lamothe) é um rapaz que chega do interior para estudar na Universidade de Buenos Aires. Ingressa em ciências políticas e, ao não ser especialmente inteligente nem engajado, dedica-se a princípio a conquistar garotas. Logo, porém, se apaixona por uma professora (Romina Paula), esta sim muito comprometida com política, e até aí amante de um velho professor, que havia trabalhado com o presidente Raúl Alfonsín na época da redemocratização, nos anos 80.

O triângulo evolui, e Roque passa a trabalhar para Acevedo, o professor, em sua ambiciosa corrida para tentar eleger-se presidente do centro de estudantes. De insignificante aluno, Roque se transforma no braço direito do professor-político, lidando muito bem com negociações, nem sempre as mais honestas, para catapultar a candidatura do mestre. No final, vem uma imensa decepção, que não conto aqui para não estragar o programa de quem for ao cine Belas Artes.

Eu o vi assim que cheguei a Buenos Aires, em meados de 2011, e me lembro que parecia algo muito caricatural. A linguagem anti-imperialista, a paixão pelas pequenas disputas, a mobilização, aos poucos, de uma imensa faixa da população estudantil em torno de um discurso. Vê-lo novamente agora, depois de passar um tempo longo por lá, infelizmente me parece mais realista. Apesar de não deixar explícito que se trata do peronismo ou do radicalismo, o que se assiste é a formação de uma organização que pode vir a ser muito poderosa, com membros muito engajados num discurso amplo, nacionalista e apoiado na figura de um grande líder. Mais ou menos como se pode ver o La Cámpora hoje, principal base de apoio de Cristina Kirchner. Agora, entrando no último ano de governo da viúva Néstor, é interessante acompanhar como esse discurso vai se transformar. “El Estudiante” ficará, não só como bom cinema argentino de baixo custo e ótimas atuações, mas como o retrato de um momento importante de transição no país-vizinho.