Por que Colômbia?
Mesmo que a Colômbia não consiga se classificar contra o Brasil na próxima sexta-feira, a seleção liderada pelo argentino Pekerman e comandada em campo pelo atacante James Rodriguez já se transformou num símbolo das transformações do país nos últimos tempos. Um furor nacionalista tomou conta das ruas e conversas dos colombianos, e não foi por conta da acirrada eleição disputada entre o atual presidente, Juan Manuel Santos, e o opositor direitista, Álvaro Uribe.
A última vez em que a Colômbia teve êxito internacional, imperavam ainda no país os cartéis da droga. Impotentes contra eles, o Estado e as autoridades locais dobravam-se e corrompiam-se. Os principais clubes, ao se transformarem em estruturas para lavar dinheiro, conseguiam ter êxito e pagar de maneira generosa a seus jogadores. Em troca, eles deviam certa obediência. Ficaram na história as visitas de alguns deles à prisão de La Catedral, que Pablo Escobar criou para si próprio, para evitar a extradição para os EUA. Ali, jogavam-se peladas e fazia-se festas para os jogadores.
Da agora mítica seleção do começo dos anos 90, que foi capaz de derrotar a Argentina em Buenos Aires por 5 a 0 e que chegou à Copa de 1994 como favorita, ficou a imagem de um grupo de homens que em parte se envergonhava desse vínculo com o tráfico, e em parte acreditava estar dando ao mundo uma outra imagem da Colômbia. Aos gritos dos torcedores adversários que os chamavam de “narcotraficantes”, e ao tratamento em geral dado pelo mundo àqueles que vinham de um país que carregava um forte estigma de violentos e sanguinários, os jogadores buscavam responder com gols. Ciente de que essa era uma arma imprescindível para conseguir apoio a seus projetos de paz, o então presidente César Gaviria viajava pessoalmente com a equipe, apoiando os jogadores e discursando para públicos estrangeiros.
O sonho, então, foi abortado. O poder dos cartéis era ainda muito forte e destrutivo. O assassinato do jogador Andrés Escobar (do qual tratei aqui há algumas semanas) mostrou que o esporte não venceria o mal. A seleção foi desclassificada. Após o assassinato de Pablo Escobar, o dinheiro que alimentava o futebol se esvaiu, e os estádios ficavam cada vez mais vazios. Na Copa do Mundo de 1998, a Colômbia não passaria nem da primeira fase, e um longo período de ausência nos Mundiais teve início.
James Rodriguez, estrela da equipe colombiana atual, tinha apenas 3 anos de idade quando essa geração de ouro começou a se perder. Vinte anos depois, por sorte, a Colômbia é um outro país. Por um lado, houve uma melhora do desempenho econômico, fazendo com que o país tivesse um índice de crescimento alto e regular, com investimentos no setor de mineração, infraestrutura e atração de investimento estrangeiro. Por outro, uma postura autoritária e bélica contra a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), por parte do caudilho linha-dura Álvaro Uribe (2002-2010), reduziu consideravelmente a guerrilha, ainda que, de maneira controversa e não menos violenta, tenha dado impulso às terríveis organizações paramilitares, ainda extremamente atuantes, principalmente em seu Estado, Antioquia (cuja capital é Medellín).
Nos últimos anos, já sob a gestão de Juan Manuel Santos, antes aliado, hoje rival de Uribe, essa política tomou outro viés. O atual presidente lançou um plano de negociações com as Farc, buscando uma alternativa por meio da conversa e de acordos políticos. Extremamente popular no início, o trato, cujos termos estão sendo acertados em Havana entre negociadores do governo e da guerrilha, passou a receber enorme rejeição por parte dos colombianos. Entre outras coisas, porque introduzia o tema da anistia a ex-guerrilheiros e acesso destes ao Congresso da República. Uma desgastante e disputada campanha eleitoral, na qual Santos teve de provar que sua solução era a única saída, teve como desenlace a sua vitória.
A nova seleção colombiana estreou na Copa do Mundo do Brasil um dia antes da votação final. As ruas de Bogotá estavam vazias. As pessoas, incluindo os candidatos à presidente, estavam em torno das TVs. No centro da cidade, uma multidão se acotovelava para ver a partida num telão.
A nova geração de torcedores colombianos, assim como Rodríguez, nasceu numa Colômbia em transição entre o período mais duro da atual guerra, em que bombas explodiam carros, donos de jornais eram mortos, sedes de órgãos públicos destruídas, seqüestros e bombas, e o atual, de uma enorme esperança de se chegar à paz, bons números econômicos e mais confiança democrática. Naquela época, a Colômbia era uma bolha isolada, mal suportando o estigma que carregava, a de ser um país extremamente violento e sem governo. Cidadãos eram parados nos aeroportos pelo único fato de portarem o passaporte colombiano. Bandas ou orquestras internacionais não se apresentavam no país. Os restaurantes e a vida noturna eram restritos e as pessoas tinham medo de sair nas ruas.
Na Colômbia de James Rodriguez ainda há inúmeros problemas. Uma greve no campo expõe que o conflito por terras _germe do nascimento das guerrilhas de esquerda_ segue sem ser resolvido. Os paramilitares em muitos lugares dominam os governos regionais e seguem matando e espalhando o horror. A distribuição de renda ainda é injusta, fazendo com que muitos não sintam os efeitos do bom desempenho econômicos.
Ainda assim, é um país melhor. A democracia é um fato inquestionável. As disputas políticas, ainda que no final manchadas por acusações baixas, foram sofisticadas. A boa propaganda do governo Santos de seus feitos no exterior ajudaram a diluir a carga negativa de carregar um documento colombiano. No começo do ano, os Pixies tocaram em Bogotá, e o U2 programa passar pela cidade para shows pela primeira vez em sua história. A capital colombiana e grandes cidades, como Medellín, têm hoje agitada vida noturna, com bares e restaurantes variados e chefs estrelados.
Nas ruas de Bogotá hoje, meninos e meninas desfilam com a camisa da seleção, com o nome de James e de outras estrelas estampados. O retrato da geração pós-terror não poderia ser mais claro. A Colômbia avança e pede espaço de protagonista na América Latina. As notícias deste país, vizinho ao Brasil e que guarda conosco tantas semelhanças (étnicas, culturais), não poderiam ser melhores.